quinta-feira, 9 de maio de 2013

As oligarquias e o Poder Judiciário



Tivemos nesta semana duas surpreendentes decisões do Poder Judiciário. A primeira foi a recusa do Supremo (STF) de aceitar a denúncia contra José Otávio Germano, acusado de chefiar desvios no Detran gaúcho (Operação “Rodin”), que somaram à época 44 milhões, hoje a preços corrigidos, mais de 60 milhões de reais. A alegação da nulidade do processo baseou-se num detalhe formal: as autorizações de escutas e quebras de sigilos foram concedidas por uma juíza federal e não pela Corte Suprema. Como Otávio Germano era na época deputado federal tinha foro privilegiado, só poderia ser investigado e julgado pelo Supremo.

O interessante nessa estória é que os desvios ocorreram há quase dez anos; foram denunciados há mais de sete num processo com mais de 100 mil páginas e só agora as “excelências do STF” chegaram à conclusão que Otávio Germano não poderia constar na relação de réus. Um belo exemplo de lerdeza e incompetência. Outro exemplo: ao abrir o jornal nesta segunda feira, dia 6 de maio, leio que os acusados no episódio da morte de PC Farias começam a ser julgados nesta semana. Pequeno detalhe: o crime ocorreu há 17 anos!

A “mais alta Corte” não tem cronologia nem critério: réus do PT foram condenados pelo STF, há poucos meses atrás, sem que, em muitos processos, existissem provas: utilizou-se a “tese do domínio dos fatos” Agora, num processo em que as provas não só existem, mas abundam, são consideradas nulas

Outra surpreendente – para não dizer absurda – decisão foi proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) gaúcho inocentando Cássio Trogildo, candidato a vereador do PTB, ex-secretário de Obras e Viação (SMOV), indiciado por uso da máquina pública nas eleições passadas. Assessores do então secretário foram flagrados, filmados e gravados oferecendo obras viárias em vilas (cobertura asfáltica) em troca de apoio na campanha do ex-secretário. O Procurador estadual Mauro Rockemback ofereceu denúncia e afirmou em entrevista que não tinha nenhuma dúvida de que as prerrogativas do cargo e o dinheiro público haviam sido utilizados na compra de votos.

A mesma “generosidade” o TRE não teve com o candidato a prefeito de Novo Hamburgo, do PT. Ele havia perdido os direitos políticos por ter comparecido a uma inauguração de obra pública em período eleitoral há pouco mais de oito anos atrás. A eleição foi anulada e na nova eleição realizada no início de 2013. Mesmo já decorrido o prazo da punição, lhe foi negado o direito de concorrer.

O nosso Judiciário foi erigido sob o princípio básico de defesa da propriedade, pilar básico do sistema legal brasileiro. O país foi ocupado e colonizado num modelo agrário assentado na grande propriedade: cana de açúcar, pecuária extensiva, café. Não é por acaso que até hoje ao país não conseguiu realizar uma verdadeira reforma agrária. Com a industrialização e a conseqüente urbanização, a oligarquia agrária perdeu algum espaço. Mas é, ainda, uma força política considerável. Os velhos coronéis se apresentam hoje numa versão “light”, modernizada. Dividem o comando político com os industriais, os banqueiros, os grandes comerciantes e as seis ou sete famílias que controlam a grande imprensa do país. Mas não descuidaram, nunca, da defesa dos seus interesses: mantém uma sólida bancada ruralista no Congresso Nacional

Durante sucessivos séculos e décadas mandaram seus filhos para as melhores faculdades de direito do país. Os “novos doutores” tinham, dentre outras, duas excelentes alternativas: entrar na política – com larga vantagem -, facilitados pelo nome de família e pelo dinheiro, ou na magistratura, espaço caracterizado desde sempre pelo prestígio, poder, estabilidade, além da boa remuneração.

Enganam-se os que pensam que a reacionária oligarquia brasileira, simbolicamente representada pela figura do coronel seja coisa do passado, distante personagem dos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX, bem caracterizados na nossa literatura nas obras de Jorge Amado, Graciliano, Lins do Rego, Josué e Érico Veríssimo, dentre outros. Eles estão até hoje aí – bem presentes –em versão “modernizada” e invariavelmente fazendo “maldades”. Se apresentam hoje nos sorrisos e na fala mansa de Sarney, no ar cínico de Collor, no deboche do turco Maluf e na carranca do Serra ou, ainda, no ar pseudo bonachão dos Neves e dos Magalhões. Com raras exceções, ao morrer deixam herdeiros, sucessores e que continuam a sua sagrada missão.

Aqui nesta distante província do extremo sul o poder agrário foi defendido e representado pelos grandes proprietários, que deflagraram a Revolução Farroupilha cujo hino os gaúchos adoram. A maioria sem conhecer sua origem histórica oligárquica e separatista. Mais modernamente, no fim do “Estado Novo” e na redemocratização de 1946 as forças conservadoras ressurgiram sob a sigla UDN, tendo o PL como fiel escudeiro.

Depois da ditadura militar o partido que a sustentou, a Arena depois PDS, mudou novamente de nome transformando-se no PP, hoje fielmente escudado pelo outrora PFL, hoje DEM.

Os dois únicos gaúchos que chegaram ao topo do poder Judiciário brasileiro – o STF – e ocuparam sua presidência tem origem na oligarquia rural gaúcha. E isso não ocorreu por acaso: dela são legítimos representantes, expressão do seu prestígio e de sua força. Estão aí, velhos, mas atuantes e influentes. Defendem a preservação dos seculares valores e interesses de seus antepassados


Sul 21 


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