sábado, 25 de janeiro de 2014

Crença em Divindades afeta Comportamento Ético


Livro conta como crença em divindades afeta comportamento ético

Reinaldo José Lopes

Uma dica da pesquisa de ponta em psicologia para quem organiza acordos diplomáticos ou reuniões de condomínio: se você quer minimizar a chance de que alguém tente passar a perna nos demais presentes, pinte um grande olho na parede do salão.

Parece ridículo, mas é um conselho apoiado por fortes evidências experimentais. Quando voluntários que participam de jogos nos quais há a possibilidade de trapacear são expostos a fotografias de olhos, desenhos de olhos ou mesmo representações totalmente esquemáticas de olhos (dois círculos, por exemplo), a chance de que alguém burle as regras cai consideravelmente.

"Gente vigiada é gente bem comportada", resume Ara Norenzayan, pesquisador da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e autor do livro "Big Gods" ("Deuses Grandes"). Na obra, ainda sem versão no Brasil, Norenzayan argumenta que essa é a principal razão pela qual a maioria dos seres humanos de hoje acredita em divindades poderosas e preocupadas com o comportamento ético: independentemente de serem reais ou não, tais figuras ajudam a controlar a tentação de passar a perna nos outros em sociedades complexas, nas quais interações entre estranhos são comuns.

Daí outra máxima cunhada por Norenzayan para explicar sua tese: "Para grupos grandes, deuses grandes". Com "grandes" o psicólogo social quer dizer deuses que sabem tudo (ou quase tudo) e usam esse acesso a informações privilegiadas para punir malfeitores, e sociedades com dezenas de milhares de indivíduos ou mais.

CAÇADORES-COLETORES

Isso porque, curiosamente, embora a crença em seres sobrenaturais esteja presente em todas as sociedades humanas, são muito raros os grupos de caçadores-coletores (formados por dezenas ou, no máximo, algumas centenas de indivíduos) que creem em "deuses grandes".

Outro fato curioso é que, ao analisar dados antropológicos padronizados de centenas de povos mundo afora, os pesquisadores também verificaram que, quanto maior o tamanho (em número de pessoas) de uma sociedade, maior também é a chance de seus membros adorarem "deuses grandes".

Esse foi um dos fatores que motivou o pesquisador de origem libanesa a propor a ideia de que esse tipo de divindade só "evolui" em sociedades que alcançam determinada massa crítica de tamanho.

Em grupos pequenos, coisas como a proximidade de parentesco, o contato diário entre todos os membros e a falta de hierarquias rígidas seriam suficientes para manter quase todo mundo mais ou menos na linha. Quando grande parte das interações sociais passam a ser anônimas (como numa cidade de milhares de habitantes), entretanto, só o "monitoramento divino" teria sido suficiente para impedir o colapso dos grandes grupos.

Além da influência um tanto bizarra dos olhos sobre o comportamento de voluntários em laboratório, também há indícios de que, quando as pessoas são sutilmente influenciadas ao verem palavras com significado religioso numa tela de computador, seu comportamento em jogos que pagam pequenas quantias em dinheiro como recompensa melhora consideravelmente.

Além de trapacear menos, também tendem a punir trapaceiros com mais rigor e a dividir mais os recursos que recebem com outros jogadores.

Detalhe importante: tais palavras ("Deus", "espírito", "oração" etc.) aparecem na tela por frações de segundo, de modo que não são conscientemente percebidas pelos participantes.

LADO NEGRO DA FORÇA

Tudo isso parece muito bom, mas as pesquisas de Norenzayan e outros cientistas da área deixam muito claro que há um lado negro na maneira como os grupos que adoram "deuses grandes" se comportam.

A tendência a ser mais cooperativo costuma ser mais forte quando ela gera dividendos de reputação para a pessoa religiosa, indicam experimentos. E o comportamento mais ético em relação a quem pertence ao mesmo grupo religioso tende a ser compensado por uma competição mais feroz com quem está fora desse grupo.

Também está longe de ser verdade a ideia de que não é possível ser ético sem crer em Deus, claro. Algumas das sociedades mais pacíficas, prósperas e igualitárias do mundo, como as da Escandinávia, hoje têm predominância de ateus.

Norenzayan argumenta que isso se deve à força e ao bom funcionamento das instituições seculares nesses países.

De fato, em nações desenvolvidas, o mesmo efeito de bom comportamento trazido pelas mensagens subliminares com palavras religiosas pode ser conseguido, em laboratório, usando termos seculares, como "tribunal", "polícia" e "juiz". Essas sociedades com instituições seculares confiáveis teriam "subido a escada da religião e, depois, chutaram-na para longe", diz o pesquisador.


Folha SP

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