sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Melhores Contos de Machado de Assis


Almanaque indica os melhores contos de Machado de Assis; leia trecho

Os contos de Machado de Assis são considerados por parte da crítica como ensaios para seus romances. Outra parte defende que as melhores páginas de seus romances são compostas por contos intercalados.

O "Almanaque Machado de Assis" ajuda o leitor a iniciar-se na leitura dos contos e indica os melhores, como "A Causa Secreta", "A Missa do Galo", "O Alienista" e o discutido "O Espelho".

Saiba mais lendo o trecho abaixo do almanaque.

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Almanaque introduz leitor aos contos e a toda a obra machadiana


O CONTISTA

O segundo território que recomendamos (podendo o leitor, se quiser, explorar ora um, ora outro) é o dos contos. Ao comentar a arte do conto, ele escreveu: "É gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa aparência lhe faz mal, afastando dele escritores, e não lhe dando, penso eu, o púbico toda a atenção de que ele é muitas vezes credor." E, de fato, Machado não se iludiu pela aparência de facilidade do conto, dedicando-lhe um trabalho exaustivo de ourivesaria, buscando a exatidão do que queria expressar.

Em 1950, Lúcia Miguel Pereira escrevia: "Foi como contista que o escritor [Machado de Assis] deu toda a sua medida, e algumas das melhores páginas de seus romances são contos que se intercalam." Na contramão, há os que defendem que os contos de Machado são ensaios para os seus romances, lançando situações e personagens que ele desenvolveria mais largamente nas histórias grandes - os romances. Outros, como espelho do que se faz nos romances, dividem o Machado-Contista em duas fases. Uma, inferior, até 1882, e outra, maior, após este ano, cujo marco é a publicação da coletânea Papéis avulsos.

"Este título de Papéis avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de não os perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa."
Advertência a Papéis avulsos, outubro de 1882

Como em toda a sua obra, há variadas perspectivas de leitura sobre os contos de Machado. Uns querem extrair deles um perspicaz retrato histórico do Brasil, no qual se revelam conflitos e tendências percebidos pela inteligência do autor. Outros, ressaltam os retratos, sempre com economia dos recursos empregados, mas nem por isso menos reveladores e profundos, do espírito humano, como O caso da vara e Uns braços, entre outros. O fato é que há um pouco de tudo nesse território, desde os contos de amor mais envolventes até o terror - bastante inspirados no gótico romântico. Sempre, é claro, tratados com a mão sutil de Machado.

Dependendo dos olhos que o lêem, Machado de Assis - Contista é um pouco de documentarista de época, crítico de costumes, investigador de mistérios do espírito e da existência, e sabe-se lá o que mais ainda irá se inventar - de pleno direito - sobre ele. Toda leitura criativa lhe acrescenta perspectivas; já qualquer leitura que pretenda conferir exclusividade a uma visão específica sobre sua obra reduz perigosamente, e mesmo deturpa, as possibilidades que os contos de Machado oferecem ao leitor.

Seja como for, nos contos de Machado você encontrará a boa acolhida cortês típica do Bruxo - quase como a Bruxa, abrindo a porta da Casa de Doces para João e Maria -, uma linguagem que não se fecha ao leitor, que provoca e adula o seu paladar; algumas histórias divertidas, outras dramáticas, outras surpreendentes. Outras, ainda, exigindo leitura atenta, ou mesmo mais de uma leitura. Há contos maiores, como o popularíssimo O alienista, adaptado para tevê e quadrinhos - talvez uma pequena novela, embora essa categoria intermediária (entre o conto e o romance), infelizmente, seja pouco usada no Brasil. Há outros curtos, como o magistral, na contramão absoluta de sua época, Idéias de canário, cujo humor e leveza, além do pequeno número de páginas em que se desenvolve, dissimulam caprichosamente um embate de concepções de mundo absurdamente fértil. Há os considerados fáceis (nada impede que uma leitura caprichosa os envenene algum dia), muito difundidos em antologias escolares, como A cartomante, Um apólogo, Relógio de ouro. Há os que têm como protagonistas (uma ousadia desbravadora para a época), crianças, como Conto de escola e Umas férias. Há o enigmático O espelho; o romântico extremado que zomba do romantismo tradicional, Eterno!, e aquele que muitos consideram o melhor conto que já se escreveu na Literatura Brasileira, Missa do galo...
E muito mais.
Há, enfim, vários mundos por lá.

"Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo."
Idéias de canário

Assim como nas crônicas, Machado também publicou a maioria de seus contos, primeiro, em jornais e revistas. O número é incerto, cerca de duzentos, talvez, e nem todos foram reunidos em livros pelo autor em vida. Acredita-se que tenha começado a produzir contos antes dos 20 anos, e publicou-os até 1907 - um ano antes de morrer.

Machado teria algumas características específicas em seus contos, que não se revelam tão destacadamente em seus romances? Provavelmente não - sempre a depender do olhar de quem lê, de o que o leitor traz para a obra quando a lê. No entanto, além do estilo, muitos dos recursos de composição literária desenvolvidos por Machado estão presentes tanto nos romances quanto nos contos (e em suas crônicas). São, é claro, diferentes manifestações de um mesmo gênio. Assim, se um morto conta a história de sua vida no romance Memórias póstumas de Brás Cubas, também há mortos que voltam para desdenhar dos viventes, em contos como Galeria póstuma e, sob caprichosos disfarces, quase-mortos, em O enfermeiro e A segunda vida. Se nos romances temos uma rara galeria de personagens femininos, como Virgília e Capitu, também as temos nos contos, isso em grande quantidade e variação de caráter, e de posicionamento diante do mundo.

"Como ia dizendo a Vossa Reverendíssima, morri no dia vinte de março de 1860, às cinco horas e quarenta e três minutos da manhã. Tinha então sessenta e oito anos de idade. Minha alma voou pelo espaço até perder a terra de vista..."
A segunda vida

Por isso, a obra em prosa de Machado, em muitos aspectos, é um todo, e não há gênero realmente menor, ou que tenha servido ao autor meramente de tubo de ensaio, experimentação para outro. Machado dava a cada texto um valor em si - ele cultuava a arte do conto -, por exemplo, a concentração, a compactação da história, a articulação dos episódios num enredo sem arestas de divagações, onde tudo é significativo, enquanto em seus romances há momentos de reflexão solta, independente do eixo, da coluna vertebral da narrativa.

Além do mais, é nítido o quanto ele refletia em como ia contar suas histórias ao leitor - a construção do enredo -, e para tal buscava técnicas de outros grandes autores, ou criava soluções inéditas, quando necessário. Machado elegia o conto como domínio privilegiado para contemplar temas ousados e para pôr em ação personagens que ganhavam ali uma dimensão ainda inusitada na Literatura.

Há contos de Machado de Assis que são imperdíveis, e alguns são apontados entre os melhores que já foram escritos em toda a Literatura Mundial. Num encontro de machadianos, nunca chegaremos a um acordo sobre quais são os melhores contos de Machado. Por isso, a lista adiante, como aconteceu com a de crônicas, é uma opinião, ou melhor, uma sugestão, que jamais deve impedir incursões atrevidas, esbravamento do desconhecido, aventuras e riscos nesse território tão desafiante.

LIVROS PUBLICADOS POR MACHADO DE ASSIS COM SELEÇÕES DE SEUS CONTOS
Contos fluminenses (CF) - 1870
Histórias da meia-noite (HMN) - 1873
Papéis avulsos (PA) - 1882
Histórias sem data (HSD) - 1884
Várias histórias (VH) - 1896
Páginas recolhidas (PR) - 1899
Relíquias da casa velha (RCV) - 1906

NÃO DEIXE DE LER...

Confissões de uma viúva moça (CF) - A excepcionalidade deste conto na obra de Machado é que a narração é entregue a uma mulher, que escreve uma carta a uma amiga, confessando um romance - a carta é a narrativa do conto -, quando ainda estava casada. Repare, leitor, que o conto já traz a temática do adultério à primeira coletânea lançada por Machado,

O relógio de ouro (HMN) - Irônico, divertido. Um conto de leitura fácil, mas guardando elementos bem característicos do autor. Bom para iniciar o leitor nas bruxarias literárias de Machado.

O alienista (PA) - Um dos mais populares contos (ou novelas) de Machado de Assis. Ambientado em Itaguaí - interior do Estado do Rio de Janeiro -, cidade que provavelmente Machado não visitou, e numa época indefinida, mais para o final do século XVIII ou começo do XIX, é um raro exemplo de Machado escapando de seu habitual confinamento a uma área restrita da cidade do Rio de Janeiro, como ambientação de suas histórias. O dr. Simão Bacamarte submete a vila de Itaguaí ao terror - parodiando a repressão que se seguiu à Revolução Francesa -, construindo por lá a Casa Verde, e internando nela quantos acha que estão privados da razão. Toda a história pode ser lida como uma farsa, em que a ciência ou a pretensão à racionalidade e à Razão são ridicularizadas. O final desta peça divertida é absolutamente surpreendente. Simão Bacamarte, pelo rigor com que cumpre, inclusive em relação a si mesmo, seus preceitos científicos, é um exemplo de integridade - o que é decisivo, para ele, em seu autodiagnóstico, no desfecho da história.

Teoria do medalhão (PA) - Muito citado como uma sátira aos costumesbrasileiros.

O espelho (PA) - Um dos contos mais conhecidos e discutidos de Machado de Assis, que tem como subtítulo Esboço de uma nova teoria da alma humana: "Cada criatura humana traz duas almas consigo; uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro"... E desse preâmbulo se desenvolve a história do alferes Jacobina e de sua intrigante (e perturbadora) aventura diante de um espelho...

Verba testamentária (PA) - Um dos menos conhecidos mortos que falam de Machado de Assis... As excêntricas disposições do Testamento de Joaquim Soares.

Cantiga dos esponsais (HSD) - A história do músico Romão Pires, que passou a vida toda tentando compor uma música que, etereamente, perseguia seu espírito.

Galeria póstuma (HSD) - Outro morto-que-volta-da-tumba para perturbar os vivos. Todos lamentaram o falecimento de Joaquim Félix, mas a surpresa estava nos comentários que ele deixou sobre os seus melhores amigos.

Capítulo dos chapéus (HSD) - Também um conto bastante mencionado. Será que a personalidade de um indivíduo estará ligada ao chapéu que ele usa?

A segunda vida (HSD) - Um conto que beira o gênero terror. José Maria procura o monsenhor Caldas para lhe contar que morreu em data e hora determinada, e agora está em sua segunda existência. Para quem já desejou voltar a viver com a experiência passada, um conto desafiador.

Noite de almirante (HSD) - Leve, divertido. O marujo Deolindo Venta-Grande retorna à cidade, depois de meses no mar, e todos o parabenizam pela noite de almirante que irá ter com a sua Genoveva, a fogosa moça que prometeu esperá-lo fielmente. Só que nada corre como ele previa.

A cartomante (VH) - Machado, que em muitas de suas crônicas ironizou a crença em videntes, leitores de mão etc., põe aqui a ironia do destino em ação para contar essa história, uma de suas mais populares.

Uns braços (VH) - Em Uns braços, há todo um inacreditável (considerando a época) jogo de sedução entre o garoto de 15 anos, Inácio, e D. Severina, mulher do patrão do garoto. Uma cena antológica, por sua ousadia, coroa esse imbróglio.

Um homem célebre (VH) - Seria quase desolador, se não fosse a mão de Machado. Nem por isso deixa de nos infiltrar um sentimento de desproteção diante do Destino. É a história do maestro Pestana, popular autor de polcas, e sua obsessão por compor grandes obras clássicas.

A causa secreta (VH) - Fortunato tem seu prazer ligado à possibilidade de observar e estar junto à dor física e moral alheia. Um conto muito próximo dos clássicos do terror gótico, principalmente por este personagem ter lá suas proximidades com o sr. Hyde; e isso sem esquecer a trama de amor e frustração, que percorre o enredo magistralmente. Há quem o aponte como um dos melhores contos de Machado de Assis e da Literatura Brasileira.

O enfermeiro (VH) - À beira da morte, o enfermeiro finalmente revela um segredo que guardou por grande parte da vida. O conto é ora perturbador, ora cínico, e coloca o leitor numa sinuca de bico quanto a sua capacidade de julgar o personagem.

Mariana (VH) - Dentro da galeria de personagens femininos de Machado, que muitas vezes envolve a postura da mulher diante da vida, do casamento, do amor e do adultério, e enfim das restrições à própria condição feminina, Mariana é um personagem peculiar, que merece ser conhecido e comparado aos demais. Mariana é casada, apaixona-se por outro homem, e a maneira como lida com essa situação é no mínimo peculiar.

Conto de escola (VH) - Um conto excepcional, em muitos aspectos rompedor de toda uma linhagem de literatura enfocando o universo da criança. Divertido, amado pelo leitor jovem.

Um apólogo (VH) - Na estrutura, uma fábula, bastante peculiar dentro da obra de Machado. A ironia é a mesma de suas grandes histórias, mas, aqui, posta em ação num conto simples, bastante popular.

O caso da vara (PR) - Damião foge do seminário e pede auxílio a sinhá Rita, uma mulher extrovertida, enérgica, para conseguir convencer o pai de que não deve ser forçado a se tornar padre. No seu início, muito semelhante ao conflito inicial de Dom Casmurro, mas o esenvolvimento, com toda a sutileza de Machado, coloca em xeque nossa pretensão de saber separar quem (e o que) é Bom e quem (e o que) é Mal neste mundo.

O dicionário (PR) - Uma alegoria - uma fantasia muito calcada na realidade - que satiriza todo e qualquer autoritarismo.

Eterno! (PR) - Uma história de amor, mas tipicamente machadiana - no que contesta o romantismo mais tradicional. Como que nos oferece um Romantismo-Não-Romântico. Um conto divertido, e que traz um excepcional, inteligentíssimo e sagaz personagem feminino - Iaiá Lindinha.

Missa do galo (PR) - Sedução, dúvidas, uma estrutura genial para uma história em que Nogueira conta suas lembranças, que nunca deixaram de perturbá-lo, de quando, ainda adolescente, conheceu Conceição, a mulher do parente com quem se hospedava em sua estada no Rio de Janeiro. Considerado por muitos um dos melhores contos da Literatura Brasileira.

Idéias de canário (PR) - Um conto excepcional, principalmente para a época. Num tempo em que se cultuavam com fé quase sacra a ciência da época e o racionalismo, eis que este canário subverte a cabeça de um típico erudito da época. Um conto divertidíssimo, para o qual não se tem chamado a necessária atenção.

Umas férias (RCV) - Conto excepcional na Literatura Brasileira, já que entrega a um menino a narrativa sobre um momento dramático de sua vida familiar. Toda a narrativa é construída em torno de sua perspectiva de ver o mundo e a família nessa situação crítica. Ousado, irreverente!

Pai contra mãe (RCV) - Bastante citado como um dos contos mais importantes de Machado sobre a escravidão no Brasil e o racismo.

Pílades e Orestes (RCV) - Muito ousado para a época, jogando com a referência aos dois personagens da Mitologia Grega, Machado apresenta uma história na qual é evidente a alusão ao homossexualismo.

Mariana (Jornal das Famílias, Janeiro de 1871) - Machado não incluiu este conto em suas coletâneas. Deve ser visto, entretanto, por uma abordagem do racismo tipicamente machadiana - sutil, abrangente -, e por apresentar mais um personagem, Mariana, a mucama que precisa se submeter aos limites que lhe são impostos por sua condição social. Mariana ganha uma posição muito própria na galeria de personagens femininos de Machado.

Um esqueleto (Jornal das Famílias, out., nov. de 1875) - Outro conto que não foi selecionado por Machado para suas antologias; merece ser lido pela excentricidade do personagem principal. É também uma peça lúgubre, sem ser gritante - um terror machadiano típico.

"Almanaque Machado de Assis"
Folha de São Paulo


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