Estado aposta na justiça restaurativa para situações de conflito e violência
ONU vem estimulando a adoção de práticas restaurativas para a resolução de conflitos.
Os recentes conflitos envolvendo policiais militares e jovens manifestantes em Porto Alegre poderão ser objeto de uma experiência inédita no Rio Grande do Sul. O governo estadual criou uma instância de justiça restaurativa destinada a promover o diálogo entre servidores públicos da área da segurança e manifestantes, buscar uma solução para os conflitos e estabelecer reparações nos casos de abusos, atos de violência e infração da lei.
O Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul publicou, dia 28 de junho, o decreto nº 50.431 que cria “procedimentos restaurativos decorrentes da apuração de atos que violem os direitos humanos individuais ou coletivos e institui a Câmara Restaurativa Estadual”. A criação de uma Câmara de Justiça Restaurativa no Estado havia sido anunciada um dia antes pelo governador Tarso Genro para estabelecer um novo tratamento de situações de conflitos e de denúncias de abusos e violências na área da Segurança Pública.
Esse novo espaço institucional terá como tarefa central apurar “atos que violem os direitos humanos individuais ou coletivos praticados por servidores públicos estaduais civis e militares, vinculados à segurança pública no âmbito do Poder Executivo Estadual, bem como de atos violentos praticados contra os referidos servidores”.
ONU estimula práticas restaurativas
Os processos de Justiça Restaurativa, segundo definição do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, são espaços onde vítima e agressor, bem como outros indivíduos de uma determinada comunidade afetados por uma situação de conflito, dialogam e participam ativamente, com a ajuda de um facilitador, da resolução de problemas oriundos do conflito. Essa Câmara promoverá, portanto, encontros entre a vítima e o autor de um fato tido como delituoso ou um representante do órgão ou instituição ao qual está vinculado. A Justiça Restaurativa procura envolver todas as partes interessadas na resolução de um determinado conflito, com uma abordagem que busca transcender o enfoque meramente punitivo.
Segundo o decreto do Executivo, a Câmara Restaurativa Estadual ficará vinculada à Secretaria da Segurança Pública e será composta por representantes dos seguintes órgãos: Secretaria da Segurança Pública, Casa Civil, Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, Procuradoria-Geral do Estado, Ouvidoria-Geral do Estado e Ouvidoria da Segurança Pública. A Defensoria Pública Estadual também acompanhará os procedimentos restaurativos e, se necessário, prestará assistência jurídica às vítimas de violência.
As pessoas que se considerarem vítimas de atos que violem os direitos humanos individuais ou coletivos poderão realizar uma denúncia à Câmara Restaurativa Estadual e pedir a realização de procedimento restaurativo. A Câmara terá uma página na internet para a interlocução com as vítimas de violência, garantindo o sigilo de identidade. Todas as vítimas que procurarem a Câmara serão ouvidas, de forma reservada para a definição dos procedimentos cabíveis. Ao final do processo, um acordo restaurativo estabelecerá as obrigações assumidas pelas partes para resolver um determinado conflito.
A Organização das Nações Unidas (ONU) vem estimulando a introdução de práticas de justiça restaurativa pelo mundo, como método de solução de conflitos. Canadá, Nova Zelândia, Argentina, África do Sul e Colômbia são alguns dos países que já adotaram esse tipo de procedimento (sendo que estes dois últimos já a introduziram em sua legislação).
A justiça restaurativa no Brasil
No Brasil, práticas de justiça restaurativa vêm sendo utilizadas crescentemente, desde 2002, para mediar e resolver conflitos em escolas e comunidades. O chamado “Caso Zero” data de 4 de julho de 2002 e resultou de uma iniciativa da 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre em um conflito envolvendo dois adolescentes. De lá para cá, essas experiências ganharam espaço pelo país, especialmente em estados como o Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Maranhão.
Em novembro de 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) premiou o projeto Justiça Juvenil Restaurativa, desenvolvido no município de São Caetano do Sul, em São Paulo, envolvendo jovens em situação de conflito com a lei. O projeto investe na possibilidade de reabilitação de jovens infratores ao invés do caminho tradicional de medidas socioeducativas que envolvem a internação dos mesmos. A partir de 2005, professores, funcionários de escolas, alunos e familiares de estudantes começaram a receber capacitação para resolver conflitos nas escolas públicas de São Caetano. Adotando o diálogo como ponto de partida, foram aplicadas metodologias como conversas, círculos e conferências restaurativas. Em 2006, a experiência foi ampliada para outros setores da comunidade, tratando também de casos de violência doméstica, alcoolismo e consumo de drogas.
Em vez de ser internado, o (a) autor(a) de uma infração é colocado frente a frente com sua vítima e pode reparar de alguma forma o dano que cometeu. O acordo também prevê que ele participe de ações que previnam a reincidência em atos infracionais e que promovam a sua integração social e familiar.
Sul 21
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