Sugestões puderam ser encaminhadas no país por meio de redes sociais como Twitter e Facebook
Gonzaga Dorneles
Apesar da falta de vontade dos políticos tradicionais de “dividir o poder”, os cidadãos devem pressioná-los para elevar sua participação nas decisões que afetam suas próprias vidas. Essa é a opinião de Eiríkur Bergmann, professor da Escola de Ciências Sociais da Bifröst University e um dos 25 integrantes da comissão responsável pela elaboração da proposta de nova Constituição da Islândia em 2012, um processo que foi feito com ajuda da população via Facebook e Twitter.
A ideia inovadora de participação popular via internet aplicada na Islândia após a crise dos bancos de 2008 apareceu nos protestos pacíficos conhecidos como “Revolução das Panelas e Frigideiras”. Quando os integrantes da constituinte foram eleitos para fazer uma nova Carta Magna que substituísse a vigente desde 1944, quando o país se tornou independente e praticamente copiou a mesma Constituição da Dinamarca, convidaram a população a enviar sugestões em redes sociais e pelo site oficial do processo. “Publicávamos tudo o que estávamos escrevendo, ainda que não estivesse pronto. Dessa forma, as pessoas davam sua opinião e nós revisávamos e melhorávamos o texto”, contou Bergmann.
O professor, que esteve em Porto Alegre em maio para participar do Conexões Globais, um evento da Secretaria de Inclusão Digital sobre participação popular via internet, defende que a tecnologia está se inserindo dentro do universo da democracia. No entanto, isso não significa uma quebra de paradigmas. “Não vejo essa mudança como um novo tipo de democracia, uma substituição completa da democracia participativa, mas sim como um complemento”, afirma.
Ele afirma que o processo de elaboração do texto da nova Constituição islandesa, que posteriormente foi aprovada pela população, mas empacou quando chegou ao Parlamento, só foi possível porque, além de 95% da população local estar conectada, havia um clima de insatisfação que fez aumentar a responsabilidade dos cidadãos para melhorar a situação do país. Para Bergmann, a Islândia é um exemplo até para o Brasil. “No momento que o acesso à tecnologia aumenta, cresce também a possibilidade de participar de forma direta da democracia”, diz.
A ideia islandesa já foi copiada em países como Irlanda, Bélgica, Holanda, Canadá e, recentemente, até no processo de diálogo de paz entre o governo da Colômbia e a as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), para o qual um site foi criado para receber as sugestões dos cidadãos nas negociações. Eiríkur Bergmann acredita que o Brasil tem potencial para fazer algo semelhante e justifica citando como exemplo os movimentos políticos da década de 1980, como as Diretas Já e o Fora Collor. “O Brasil tem um histórico bastante interessante de participação. Acho que existe pelo menos uma boa parte da população brasileira que participou de exercícios democráticos desse tipo”, defende.
Confira os principais trechos da entrevista concedida por Eiríkur Bergmann:
Opera Mundi: O senhor acredita que esse modelo de participação popular via internet que deu certo em seu país pode funcionar também em outras partes do mundo?
Eiríkur Bergmann: Estamos em um momento de mudança em termos de democracia. Nas ultimas décadas e séculos, nós éramos parte de uma democracia de representação, mas agora há um processo de mudança que está transformando em modelos mais participativos de democracia. Na Islândia, a população fez parte da criação da Constituição depois de uma profunda crise marcada pela democracia representativa.
Acho que é preciso diferenciar a democracia representativa, mais antiga, desse novo modelo de democracia mais avançado. Não estou dizendo que esse novo modelo vai substituir a “velha” democracia, mas sim que pode ser um complemento. Agora na Irlanda está acontecendo uma convenção da Constituição que também acontece em outros países como Holanda, Bélgica, Canadá e aqui em Porto Alegre também, essa é a magnificência da democracia participativa. A questão é que nós estamos esperando por esse momento há muito tempo. A tecnologia está avançada o suficiente e sinto que somente agora ela é capaz de espalhar as ideias democráticas mais além. Nós temos a tecnologia há 20 anos, mas não tínhamos uma população conectada. No entanto, acredito que o maior desafio será a classe política... Eles não são muito bons em dividir o poder com o povo, os cidadãos devem pressionar para que isso aconteça.
OM: Como o senhor avalia essa democracia colaborativa no Brasil? O senhor acredita que tecnologia e democracia podem trabalhar juntas em um país como o Brasil?
EB: Sim, acho que sim. Creio que até mais aqui no Brasil do que em outros países, pois vocês têm uma herança muito interessante em termos de participação. Me parece que pelo menos parte da população brasileira participa desse tipo de processo democrático e, por isso, o Brasil estaria numa posição privilegiada para fazer um grande projeto como a Constituição. Mas, para isso, o governo precisa demonstrar interesse e, geralmente, ele só se interessa em fazer o que o povo pressiona eles a fazer. Basicamente, creio que está nas mãos do povo. Acredito que esse tipo de exercício será cada vez mais comum.
OM: O senhor acredita que um processo como a constituinte colaborativa seria possível no Brasil? Na Islândia, a maioria das pessoas tem acesso à internet e, no Brasil, a metade...
EB: Sim, esse é o problema em outros lugares também, pois mesmo estando presente, [a tecnologia] não é de acesso a todos. Eu só gostaria de deixar claro que na Islândia a Constituição ainda não foi ativada, está no Parlamento e, como não temos um governo muito favorável no momento, não sabemos ao certo como será o final. Mas, sim, a internet ajudou a Islândia com uma população em que 95% têm acesso à internet e somos gratos por essa ferramenta. Além disso, a Islândia é um país pequeno, o que torna mais fácil que isso seja possível. Aqui é muito mais diversificado, mas isso também não significa que não possa ser feito.
OM: Então o senhor acredita que isso pode ser feito em países maiores?
EB: Claro que sim. Nós estamos em um estágio bem inicial nessa mudança de modelo democrático. Talvez devêssemos dar uma olhada na história. A Grécia, por exemplo, atingiu um estado democrático dessa maneira. Quando você tem pessoas unidas lutando por algo, aí chegamos à democracia representativa. De certa maneira estamos voltando a desenvolver esse mecanismo para podermos avançar. Eu acho que precisamos de mais exercícios como esse que está ocorrendo em Porto Alegre, outros na América do Sul, na Islândia e em outros países da Europa. Acredito que quando esses exemplos começarem a se acumular, será muito mais fácil avançar na integração democrática, não apenas conversando como estamos fazendo agora, mas ativamente.
OM: Como os políticos e o governo viram o processo que está ocorrendo na Islândia?
EB: A relação foi muito difícil porque o colapso de 2008 não foi somente uma crise econômica, mas também uma crise política e de identidade. As pessoas estavam gritando contra isso e então tivemos uma espécie de mini revolução, não de forma agressiva, pois nenhum sangue foi derramado. Uma das principais reivindicações era uma nova Constituição e a razão para isso tem raízes históricas. Foi por pressão popular que o governo concordou desenvolver uma nova Constituição. Mas a relação entre Parlamento e governo sempre foi difícil e, mesmo quando a Constituição foi votada em um referendo, ainda assim havia barreiras por parte dos políticos mais tradicionais e da elite, que foram sempre contra as mudanças. Para fazer isso, você precisa da força do povo, da pressão da sociedade. É aí que a tecnologia entra.
OM: O senhor acredita que hoje as pessoas acreditam mais no governo por terem participado das decisões?
EB: É difícil dizer, não tenho uma resposta clara. Isso deu às pessoas que participaram uma ideia de pertencer a algo. Eles eram mais que espectadores na recuperação da Islândia e, nesse sentido, foi uma espécie de cura para a sociedade. Foi mais construtivo do que simplesmente protestar.
OM: A iniciativa de chamar a população para participar partiu de quem?
EB: Começou nos protestos pela crise e, por causa dessa pressão da população, os políticos se mexeram para levantar essa ideia. Eles acabaram aceitando isso porque precisam ser reeleitos e pensaram que deveriam atender ao desejo do povo para que as pessoas votem neles novamente. Eles tinham medo de serem punidos nas eleições se fossem contra a nova democratização. Então, começa com o povo e termina com o povo.
Controvérsia
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