Jandira Feghali*
Há no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 700 cidades em periferias das metrópoles e regiões do Norte e Nordeste sem médicos. Situação insustentável e que merece das autoridades criação de eficazes políticas de interiorização e fixação dos profissionais, envolvendo também estruturas de atendimento, segurança para as diversas categorias de saúde – não apenas os médicos que necessitam ter vínculo – além dos direitos trabalhistas, uma rede mínima para atender adequadamente os pacientes, assim como exames para diagnóstico e medicamentos.
Devemos avançar sobre essa capacidade de gestão de recursos humanos, ampliar os recursos financeiros do setor e unificar esforços para garantir o atendimento à população. A insegurança jurídica da medida provisória editada pelo governo na última semana, ao vedar qualquer vínculo de trabalho aos médicos, mesmo os brasileiros que desejem se deslocar para longínquas cidades do País, inviabiliza a solução que tanto propaga. É bom perguntar: como os juízes ou membros do Ministério Público vão para as comarcas do interior?
Também é proposto mudar o curso de medicina incluindo dois anos de serviço obrigatório na rede pública, alteração que imagino profunda para ser feita numa medida provisória e sem um debate que envolva as universidades e faculdades de formação da área, estes que irão estruturar uma nova realidade a partir dessa regulamentação. Usa-se o argumento de colocar os estudantes na atenção básica do Sistema Público de Saúde (SUS), contudo, é bom observar que podemos acabar fomentando uma política de mercado onde os que possuem “CRM provisório” com bolsa de graduação acabarão substituindo médicos formados no setor privado complementar (que cada vez mais expande a chamada atenção básica).
Considero que o investimento da sociedade brasileira nas universidades públicas pode e deve ter retorno, embora tenhamos de fazer isto com a responsabilidade e qualidade adequadas a esta mesma sociedade. Atender a população universalmente é a base do SUS e garantir que a população mais pobre tenha o mesmo acesso é a certeza desta universalidade. É exatamente por isso que não temos o direito de tratar esses temas como se tivéssemos soluções mágicas, em mudança aparentemente radical, por medida provisória, sem envolver aqueles que podem realmente construir caminhos concretos e reais.
A medida provisória aponta ainda a importação de médicos estrangeiros, alternativa aceita por todos, desde que confirmada a sua qualificação para atender o povo brasileiro. É bom ressaltar que já existe lei no Brasil que rege a validação dos diplomas médicos. Devemos reconhecer a competência e dedicação de médicos de vários outros países, mas sabemos que há diferenças curriculares e epidemiológicas – além do idioma. Esses profissionais, em qualquer país do mundo, passam por processos extremamente rígidos para colocar as mãos no povo de outra nação.
A Saúde foi tema das manifestações em todo o País e as reivindicações em torno desta demanda variaram em cada local, oscilando com a realidade mais próxima e expressando as desigualdades regionais. Conquistar melhoria no sistema de Saúde em todo o Brasil exige grande unidade política na sociedade: o povo como usuário pleno, profissionais, parlamento brasileiro e governos de diferentes esferas. É preciso valorizar o avanço já alcançado pela saúde pública brasileira num país de quase 200 milhões de habitantes, mas temos de evitar a tentativa de isolar qualquer segmento ou categoria deste processo por mudança, o que fragiliza a busca por soluções e acaba por desviar o foco das questões centrais.
Os médicos, colocados na berlinda nos últimos meses, são chamados ao debate de pontos cujas soluções são muito maiores do que a simples opção onde trabalhar ou construir carreira. Alguns caminhos são urgentes: é preciso financiar a Saúde através de tributação sobre grandes fortunas – financiando melhor o setor – qualificar e profissionalizar a gestão, valorizar os profissionais de saúde e ampliar a rede universalizando o acesso. Essas são lutas que unificam e dão força real às verdadeiras soluções. Precisamos, mais do que nunca, defender a vida e a saúde de nosso povo.
*Médica, deputada federal pelo PCdoB/RJ e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados
Jornal do Brasil
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