terça-feira, 1 de setembro de 2015
Acrisia, hipocrisia e democracia
Chico Alencar
Acrisia é um termo médico do século 19, usado quando o diagnóstico de um paciente é impreciso. Vem do grego e, no sentido etimológico, quer dizer “confusão, falta de discernimento, caráter indeciso de uma doença”. Tudo a ver com a realidade brasileira atual.
Por outro lado, ainda no campo semântico, vale lembrar que toda crise –de ordem pessoal ou social– demanda um acrisolamento, isto é, uma depuração. Pede que, no cadinho dos conflitos em ebulição, os agentes políticos consigam tirar as sujeiras do “metal precioso” da nossa institucionalidade.
Valiosa é a nossa construção democrática, que necessita, nesta quadra crítica, de qualidades superiores. De avanços, e não retrocessos. Isso só virá com uma refundação da República, que é bem mais do que o impedimento da presidenta, assunção do vice ou eleições presidenciais antecipadas com as mesmas regras do jogo endinheirado que aprofundou a degradação.
Só uma cidadania ativa e horizontal impulsionaria uma reforma política que libertasse o sistema político da prisão dos conglomerados econômicos, uma reforma tributária progressiva –que, de fato, gravasse os mais ricos–, uma auditoria e renegociação da dívida pública –como prevê a Constituição Federal– e uma constituinte eleita com normas que assegurassem a igualdade de condições.
Trata-se de redesenhar o molde institucional do país, democratizando os Poderes, a cultura e a comunicação de massa.
A história, no entanto, não tem o ritmo das nossas ansiedades. Sua dinâmica varia de acordo com as conjunturas e as forças sociais em confronto. Sérgio Buarque de Holanda falava do “modus paulatim” e do “modus saltantim” desta sábia senhora, a política.
Paciência é preciso: reconheçamos que o melhor acrisolamento, o passo adiante para a nossa democracia, ainda não tem acúmulo político que o torne alternativa imediata à crise. Ainda carecemos de maior consciência, organização e mobilização populares para tanto.
O cenário mais provável é mais do mesmo, na tradição continuísta do pacto pelo alto das oligarquias no poder. Estamos na transição entre o velho não sepultado e o novo que ainda não nasceu.
Nesses intervalos turbulentos, de grande imprevisibilidade, surgem atores inconsistentes e oportunistas de todo o tipo. Delineia-se o costumeiro: mudar alguma coisa para que tudo, na essência, permaneça como está.
Porém, ainda que aquém do necessário horizonte histórico de um novo modelo político e econômico, atitudes imediatas devem ser tomadas. Elas exigem que se abandone o mar poluído de cumplicidades e hipocrisia em que se afogam as forças políticas dominantes, aí incluída a oposição conservadora, ávida por ter “a chave do cofre e a caneta de volta”, como proclamou um líder da minoria que tem sido maioria na Câmara dos Deputados.
Para já, os partidos e as instâncias públicas precisam afastar de seus quadros e funções os acusados da Operação Lava Jato. Eles não podem ser ministros ou ocupar presidências de mesas diretoras ou comissões no Poder Legislativo. Não é possível tergiversar, sob pena de se consolidar a cínica “gangsterização” da política nacional.
Como é sabido, mesmo fora dos meios jurídicos, a situação de um investigado em inquérito é distinta da de um denunciado. Nesse caso, ele está formalmente acusado de ter praticado crimes, como é o caso do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O respeito à função pública impõe que não prossiga ali, até que todo o processo seja concluído. Urge repudiar o “pacto de silêncio” no Parlamento sobre a iniciativa do Ministério Público Federal, após cinco meses de investigação.
Chico Alencar é professor e deputado federal (PSOL-RJ)
Fundação Lauro Campos
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