terça-feira, 29 de setembro de 2015
PEC da segurança: avanço democrático ou retrocesso institucional?
A PEC da Segurança Pública tanto pode caminhar na direção de um importante salto de qualidade democrático, como num forte retrocesso institucional.
Alberto Kopittke Winogron
Assunto que tem passado quase desapercebido ou sem o devido debate, a PEC da Segurança, pode significar um dos maiores retrocessos institucionais do país desde a Constituinte.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2014, chamada PEC da Segurança Pública, aprovada recentemente pelo Senado Federal e que é referida como a prioridade do Governo Dilma, efetivamente abre uma nova etapa da Segurança Pública brasileira. No entanto, se essa nova etapa será boa ou ruim, é algo indefinido. Ela tanto pode caminhar na direção de um importante salto de qualidade democrático, como num forte retrocesso institucional.
A PEC, que inclui no texto da Constituição a Segurança Pública como uma das obrigações de competência comum entre a União, os Estados e os municípios, na prática permite à União voltar a atuar diretamente em Segurança Pública. O que é preciso ter atenção é que ao longo da história brasileira isso sempre foi feito através do empoderamento das Forças Armadas e não em prol da modernização, valorização e democratização das polícias.
A experiência das demais políticas públicas brasileiras, desde a Constituinte, demonstram que ocorrem ganhos de qualidade quando se formam Sistemas Nacionais, mas onde a operacionalização das políticas públicas foi descentralizada e a União se qualificou para atuar como indutora da melhoria da qualidade da gestão e não na execução direta.
Porém, para conseguir induzir melhorias de qualidade, a União deve primeiro se dotar de pessoal especializado no tema, o que hoje não ocorre. Atualmente, os recursos humanos que a União dispõem na Segurança Pública (fora a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal que tem atribuições específicas), são basicamente os Policiais Militares das unidades da federação, através da Força Nacional. Isso faz com que a sua atuação, em momentos de crise, seja uma mera reprodução dos mesmos padrões organizacionais e operacionais que os Estados já executam.
Para um novo caminho, seria necessário primeiro dotar a Secretaria Nacional de Segurança Pública de capacidade de gestão, seguindo as melhores experiências internacionais. Para realmente impulsionar um salto de qualidade da Segurança, o Governo Federal poderia tomar inúmeras iniciativas como: criar uma Academia Nacional de Gestão em Segurança Pública, reunindo os melhores pesquisadores e gestores do país; um Instituto de gestão de dados, com pessoal especializado no tema; uma Ouvidoria Nacional com efetiva capacidade de melhorar o controle da atuação, em especial contra grupos de extermínio e milícias; um sistema nacional de Transparência, voltado a qualificar o ciclo de gestão das políticas de segurança, através de indicadores de qualidade; e ainda uma Comissão Nacional de Evidências para sistematizar e disseminar métodos e práticas sobre o que funciona para reduzir a violência, baseada em grandes pesquisas nacionais.
Isso tudo, sem falar na estruturação e financiamento de políticas sociais de prevenção à violência, em parcerias com os municípios, nos territórios mais vulneráveis, como começou a fazer durante os quatro anos de existência do Pronasci.
Entretanto, nada indica que esse será o caminho a ser trilhado.
Infelizmente, nos últimos anos e especialmente após o início do Governo Dilma, a forma como a União tem atuado na Segurança Pública é através do empoderamento das Forças Armadas na execução de tarefas de segurança.
Esse processo aliás, que sequer teve uma efetiva ruptura na Constituinte, onde as Forças Armadas mantiveram o comando hierárquico sobre o policiamento ostensivo do país, teve sequência no período democrático com um conjunto de Leis Complementares. Com as LCs 97/1999 e 117/2004, as Forças Armadas retomaram a possibilidade de agir em questões de segurança pública, em apoio as forças policiais, em situações específicas. Depois, pela LC 136/2010, elas ganharam pleno poder de polícia nas áreas de fronteira, o que representa 27% do território brasileiro. E mais recentemente, receberam delegação para assumir o controle pleno em ações de Segurança Pública, em qualquer território do país, nas chamadas Operações de Garantia de Lei e Ordem (Portaria Normativa nº. 3.461 do Ministério da Defesa), mediante autorização do(a) Presidente(a) da República, sem avaliação do Congresso nem dos Governadores.
Agora, conforme venha a ser utilizado o novo dispositivo constitucional criado pela PEC, as Forças Armadas, conforme a interpretação que se dê, poderão atuar livremente em todo território e assunto de segurança, sem a necessidade de autorização seja necessária.
Portanto, o que essa PEC na verdade parece criar é uma autorização constitucional para as Forças Armadas atuarem na Segurança Pública atendendo os clamores das vozes mais conservadoras que crescem a cada dia no Brasil.
A tendência é que esse novo desenho federativo não sirva para qualificar a governança da Segurança Pública brasileira, mas sim novamente fortalecer a sua militarização e o seu fechamento. Historicamente, isso resultou numa atuação cada vez mais reativa, distante das comunidades, com grande volume de abusos de autoridade e no fortalecimento de uma cultura de desrespeito aos direitos humanos. Exatamente o inverso do que se espera da Segurança Pública numa democracia.
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Alberto Kopittke Winogron, 34 anos, é pesquisador em segurança pública e Vereador (PT) em Porto Alegre.
Carta Capital
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