terça-feira, 29 de setembro de 2015
Propostas para um Ajuste Fiscal Cidadão
Célio Turino
É possível equilibrar contas públicas sem atingir direitos sociais, como querem governo e direita. Veja como iniciar Reforma Tributária que obrigue ricos a pagar impostos
É fato que o Brasil precisa de um Ajuste Fiscal, pois não há como conviver com um déficit nominal de 8% do PIB (quase R$ 500 bilhões!) e, a continuar assim, o país quebra, levando junto conquistas e direitos e afetando principalmente os mais pobres. Mas não o “Ajuste” que está sendo apresentado pelo governo. Além de não ajustar nada, ele mantém intocados os privilégios dos bancos e dos mais ricos, exigindo sacrifícios apenas de quem já se sacrifica.
Mas antes de apresentar este ensaio com propostas alternativas para um Ajuste Fiscal, um esclarecimento para o público leigo. Quando governo, mídia e bancos falam em Superávit Primário, estão se referindo a uma abstração, uma ardilosa manobra para excluir dos gastos do Estado os pagamentos com Dívida Pública – como se apenas as despesas com Educação, Saúde e direitos sociais pudessem ser cortadas, enquanto o pagamento aos Bancos e rentistas (20 mil famílias) permanece intocável, sagrado. Por isso, se quisermos ajustar de fato as finanças públicas, é necessário olhar o orçamento público por inteiro, com o conjunto de despesas e receitas, daí a necessidade de colocar Juros e Dívida também na mesa de corte.
Em 5/5/2015 escrevi artigo analisando os planos de austeridade do governo federal. Já previa que o resultado seria este que aí está, agravando o endividamento do Estado brasileiro, quando o objetivo anunciado seria o oposto. O artigo começava assim: “‘Ajuste Fiscal’ que começa a ser votado hoje, é sacrifício inútil: juros consumirão toda ‘economia’ gerada pelo corte de direitos e investimentos. É hora de construir agenda alternativa”. Infelizmente minha análise, e de vários outros pensadores livres, estava correta. Neste texto, apresentei sugestões para uma série de medidas, que continuam atuais. Dada a correlação de forças e a tormenta que atravessamos, reapresento-as em formato mais moderado, simples e exequível, sendo que algumas medidas nem dependem de aprovação no Congresso. A elas:
a) Criar duas novas alíquotas de Imposto de Renda: de 35% sobre os rendimentos acima de R$ 30 mil mensais (R$ 390 mil/ano) e 40% acima de R$ 100 mil/mês (R$ 1,3 milhão/ano). Com isto haverá um pequeno acréscimo entre 7,5% e 12,5% no Imposto das pessoas muito ricas (1% da população que detém 40% da riqueza). Em contrapartida tributar Imposto de Renda somente a partir de R$ 4 mil/mês (ou R$ 52 mil/ano). Estas duas medidas devem ser apresentadas em conjunto, pois são complementares, de modo que a isenção aos mais pobre é compensada com o acréscimo aos mais ricos, produzindo Justiça Tributária. Além deste componente, a medida também vai liberar recursos para a economia popular e solidária, com impacto positivo na arrecadação tributária, evitando aumento do desemprego e ativando a recuperação da economia como um todo. Outro reflexo positivo será a elevação da renda dos aposentados. Antes que alguém tome as dores dos ricos, um lembrete: no mundo capitalista que se diz civilizado só se começa a tributar renda a partir de US$ 1.200, ou mais, e as alíquotas chegam a 45%. Estimativa de Receita: R$ 10 bilhões.
b) Taxar ganhos de Capital. Entre as economias organizadas do mundo, apenas Brasil e Estônia não tributam ganhos de Capital. A isenção no Brasil foi adotada ao final do século passado, sob o falso argumento da bitributação: alegou-se que as empresas já pagavam Imposto de Renda da Pessoa Juridia (IRPJ). Mas imposto de empresarial é custo repassado aos produtos, sendo que quem paga de fato são os consumidores; e ganho de dividendo é Renda Individual, que tem permanecida isento em privilégio injustificável. Até quando seguiremos na rabeira da civilização também em relação à renda dos milionários, mantendo regalias pré-Revolução Francesa? Junto a esta medida, o país também deve estabelecer uma justa taxação sobre a remessa de lucros ao exterior. Segundo estudos do IPEA, se houver tributação na ordem de 15%, haverá incremento de R$ 43 bilhões na arrecadação do Estado (ou 140% do total previsto com a CPMF). Mas cabe a pergunta: se um assalariado que ganha R$ 6 mil por mês paga 27,5% do seu salário em IRPF, por que um grande acionista só deveria pagar 15%?
c) Taxar fortunas e heranças, conforme previsto na Constituição e nunca regulamentado. A tributação pode ocorrer a partir de determinado valor (R$ 4 milhões, com alíquotas entre 0,4% a 2,1%, conforme projeto da deputada Jandira Feghali, ou mesmo outras alternativas). Qualquer país capitalista, incluindo EUA, já faz isso há décadas — por que ainda não no Brasil? Seremos os últimos a taxar fortunas, como fomos os últimos a abolir a escravidão? Segundo estudos do economista Amir Khair, uma alíquota média de apenas 1% sobre o patrimônio dos muito ricos permitiria uma arrecadação suplementar de R$ 100 bilhões/ano; para efeito deste cálculo, melhor estimar em R$ 30 bilhões.
d) Fim de toda e qualquer isenção patronal ao INSS (principalmente Igrejas, que não pagam contribuição patronal de seus funcionários e sacerdotes). Em junho deste ano a mesma Câmara dos Deputados que agora exige cortes em direitos sociais, ampliou a isenção tributária a Igrejas, acarretando novo prejuízo ao Tesouro em R$ 300 milhões; no mínimo deveríamos revogar este privilégio injustificável. Estimativa de ganho de receita para a Previdência: entre R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão, a depender da extensão da medida.
e) Retomar a CIDE (contribuição sobre domínio econômico) que incide sobre a gasolina, fixando-a em R$ 0,20 por litro de combustívels (estudos do governo chegaram a prever acréscimo de R$ 0,60). Estimativa de arrecadação: R$ 10 bilhões, a ser dividida com Estados e Municípios, de modo que a parte da União seria de R$ 5 bilhões. Em contrapartida isentar alimentos e produtos de higiene da cesta básica e cadeia produtiva de saúde e transporte coletivo de ICMS e IPI. Justificativa: não é moralmente aceitável que o Estado arrecade sobre a alimentação de seu povo e muito menos com tratamento de saúde. Se, de um lado a CIDE na gasolina pode aumentar a inflação, por outro, essas isenções terão forte impacto na redução inflacionária (muito mais que qualquer aumento na taxa de juros). A perda de receita decorrente destas isenções será compensada pela ativação da atividade econômica e ampliação de consumo em outras áreas, bem como na compensação a estados e municípios via participação na CIDE. Além disso, melhorará a relação de custos entre gasolina e etanol e reduzirá custos no transporte coletivo. Também em compensação aos estados, transferir o ITR (Imposto Rural) da União para os Estados;
f) Apoiar lei sobre repatriação de capitais, conforme intenção do governo, ainda não especificada em projeto. Estimativas otimistas falam em recuperação de até R$ 100 bilhões; mais realista prever R$ 10 bilhões em ganho de arrecadação;
g) Fim da Lei Kandir e retorno de cobrança de ICMS nas exportações de commodities. Instituída em 1997, a lei Kandir visava estimular exportações de bens primários via isenção de ICMS. Para compensar a isenção foi criado um Fundo de ressarcimento aos estados. Esta medida e este fundo, além de tere provocado rombo na conta de estados exportadores de commodities (na ordem de R$ 21,5 bilhões, no caso do Pará), também provoca um rombo anual no orçamento da União, na ordem de R$ 5 bilhões/ano. Além de provocar quebra de arrecadação do Estado, a lei também desestimula a industrialização (por mínima que seja, na forma de farelo ou óleo de soja, por exemplo) das matérias primas no Brasil e é um constante desestabilizador na relação entre Estados e União. Como resultado real, produz transferência de recursos do Estado para grandes exportadores — em sua maioria, multinacionais. É chegado o momento de acabar com esta distorção, e o momento é favorável, principalmente em função da expressiva alta do dólar.
Este conjunto de medidas representa um ganho de arrecadação para a União na ordem de R$ 100 bilhões, em valores aproximados. E sem a CPMF! Como efeito, também permite melhora na arrecadação de Estados e Municípios e ativação da economia. Antes que aleguem que R$ 100 bilhões representaria um forte incremento da carga tributária (1,65% do PIB), cabe ressaltar que estas medidas promovem Justiça Tributária, ao arrecadar a partir da Renda e do Patrimônio, evitando que o peso tributário se espraie pela sociedade como um todo. Nos próximos três anos será necessário um período de calibragem nestes impostos e em outros, para evitar o temor de elevação tributária excessiva. Ao mesmo tempo o Congresso deveria aprovar lei estipulando teto de arrecadação em 37% do PIB (atualmente está em 36,5%) a vigorar no quadriênio 2019/22.
Mas ainda cabe avaliar a CPMF. Há prós e contras, em relação a este imposto. O ponto positivo é que a CPMF além de atingir a todos, incluindo sonegadores, ainda permite que os mesmos sejam identificados; o negativo é que se espraia para toda a economia e, ao repassar custos na cadeia produtiva, é um imposto regressivo, com maior impacto sobre os mais pobres. Mas há como eliminar este efeito, prevendo o abatimento da CPMF no Imposto de Renda e/ou reduzindo custos de transações eletrônicas (cartões de crédito e débito) que, no Brasil, são abusivos (entre 3% e 6% por transação, sendo que a CPMF seria de 0,2%). Enfim, a CPMF pode até auxiliar na cobertura de rombos do Estado, mas desde que não venha acompanhada do cinismo de colocar a culpa nos aposentados. Mas como este conjunto de sugestões demonstra, pode ser dispensável.
Corte de despesas sem atingir investimentos e direitos sociais
Porém, de nada adianta elevar a arrecadação se não houver corte em despesas. Não na forma apresentada pelo governo, com cortes em investimentos essenciais (R$ 3,8 bilhões no PAC), no Minha Casa Minha Vida (R$ 4,8 bilhões), na Saúde ( R$ 3,8 bilhões) e na Agricultura (R$ 1,1 bilhão – neste caso, já que o governo considera o recurso dispensável, ele deveria ser realocado para regularização das Terras Indígenas). Mesmo em relação a reajuste de salários de servidores, concursos públicos e abono de ermanência, em que o governo estima uma economia de R$ 9,7 bilhão, talvez fosse mais adequada a previsão de um corte de R$ 4,2 bilhões. Quanto à implementação do teto remuneratório, medida que surpreende por ainda não estar plenamente implantada, sem dúvida, há que instituir já, resultando em economia de R$ 800 milhões. Somados à redução de R$ 2 bilhões no custeio administrativos, haveria uma economia de R$ 7 bilhões – o que é pouco, ante a previsão inicial de R$ 26 bilhões de corte. Portanto, há que cortar mais, só que em outros lugares e com alcance muito mais significativo e sem que represente dano em Investimentos Públicos ou Direitos Sociais:
a) Baixar em três pontos percentuais na taxa de juros paga pelo Estado a seus credores (SELIC), reduzindo-a dos atuais 14,25% para 11,25%). Ainda assim seguiríamos com o maior juro real do mundo, mas em padrão mais civilizado. Economia: R$ 45 bilhões (uma vez e meia a arrecadação prevista para a CPMF). Forma de cálculo: Dívida Bruta próxima a R$ 4 trilhões, sendo pouco menos de 40% em títulos pós-fixados, com incidência da SELIC, resultando em pouco mais de R$ 15 bilhões (R$ 500 milhões por dia, incluindo domingos e feriados!) a cada 1% na taxa de juros. Antes que aleguem que redução na taxa de juros provoca alta na inflação, há que deixar bem claro que esta é a maior mentira que vem sendo contada ao povo brasileiro (tratei sobre este tema em artigo recente);
b) Cumprir a constituição e realizar Auditoria da Dívida Pública;
c) Cortar subsídios estatais: não os sociais, mas os subsídios indecentes do capitalismo de compadrio, para empresas como Friboi, grupo do Eike Batista (R$ 10 bi!) Odebrecht e outras, via BNDES. Estas empresas deveriam receber empréstimo de longo prazo ao custo de inflação mais juros de 0,5%, o que já é bem mais vantajoso em relação à média de juros para pelos brasileiros comuns. Economia ao Estado: R$ 26 bilhões ao ano (de novo, quase uma CPMF);
d) Realizar uma Reforma Ministerial de fato, reduzindo o número de ministérios para 20 a 22. Esta medida é absolutamente necessária, não somente para redução de despesas, como em ganho de eficiência. O que o governo está a propor não passa de mudança cosmética. Junto à redução dos ministérios há que reduzir os cargos de Direção, Gerência, Coordenação e Assessoria dos atuais 22.000 para 18.000, sendo que, destes, 15.000 a serem ocupados exclusivamente por servidores públicos, restando 3.000 para nomeação de profissionais de fora do quadro de carreira. Para efeito de comparação: no Reino Unido, país com PIB pouco superior ao Brasil e um terço da nossa população, os cargos de Livre Nomeação são 300. E mais: Quadro de Requisitos e Qualificação para ocupação de qualquer cargo público, até ministro de Estado. Para comparação: nos EUA há legislação assim, escrevi artigo sobre isso há alguns anos. Redução de Custo: R$ 1 bilhão.
e) Limitar as Emendas Parlamentares Individuais. Há casos em que as Emendas parlamentares individuais podem ter um bom papel, mas na maioria das vezes distorcem e paroquializam as políticas públicas, transformando direitos em dádivas. Em um parlamento a serviço do Bem Comum, o ideal seria que só houvesse emendas coletivas, via Comissões do Orçamento. Porém, dada a correlação de forças no Congresso, será difícil alterar esta situação. Mas, convenhamos, em tempos de crise e cortes orçamentários, reservar R$ 9,5 bi para emendas individuais é um absurdo. Há que fazer um corte de R$ 5 bilhões, no mínimo.
f) Reduzir os custos do Congresso e Judiciário. O custo do Congresso brasileiro é o maior do mundo, só igualável aos EUA, que tem população 50% maior que a nossa. Há alguns anos venho tratando deste tema. Não faz sentido um orçamento de quase R$ 10 bilhões para as atividades da Câmara e Congresso: há que cortar no mínimo R$ 1 bilhão para 2016 e congelar o valor para os anos seguintes, até que alcancemos um custo da atividade parlamentar mais equilibrado com a realidade mundial. E junto com esta redução, cortar em R$ 500 milhões a verba destinada aos partidos políticos, que foi aumentada em mais de 200% neste ano.
Custo do Judiciário: se o tempo é para cortes, tem que ser para todos. Até para que o Judiciário ganhe respeito da população é preciso cortar mordomias e vantagens, como auxílio moradia mesmo quando juízes tem casa na mesma cidade, ou verbas para transporte, livros, educação dos filhos; afinal, juízes e promotores já ganham muito, até em comparação a países da Europa ou EUA. No mínimo, um corte de R$ 1 bilhão.
Corte de Despesas: R$ 86,5 bilhões (sem cortar nenhum direito social ou investimentos)
Como resultado, um Ajuste Fiscal Cidadão permitirá reduzir o Déficit Público dos atuais 8% do PIB para 5,5% (elevação de receitas em R$ 100 bilhões e Corte de Despesas em R$ 86,5 bilhões), permitindo que o país atravesse esta crise com muito menos dano à população. Se continuado nos anos seguintes, poderemos chegar em 2018 com um déficit bastante aceitável (3% ou menos), além de permitir a imediata reativação da economia. Sei que este estudo é apenas um ensaio e os que estão no poder (sejam do governo, sejam da oposição conservadora) darão os ombros a estas ideias, mas fica a sugestão. E o desejo para que, quem sabe um dia, o Estado brasileiro seja administrado com justiça e de acordo com as necessidades do povo brasileiro.
Outras Palavras
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário