segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Agamben: Sobre Segurança e Terror


Artigo extraído do livro As multidões e o império: entre globalização da guerra e universalização dos direitos

Por Giorge Agamben

A segurança como princípio condutor da política de estado remonta ao nascimento do estado moderno. Ela é já mencionada por Hobbes como o oposto do medo, o qual compele os seres humanos a se reunirem ao interior de uma sociedade. Mas só no século dezoito a ideia de segurança adquire um sentido próprio. Numa conferência de 1978 no Collège de France (ainda a ser publicada), Michel Foucault mostrou como a prática política e econômica dos fisiocratas opõe segurança à disciplina e à lei, como instrumentos de governo.

Turgot e Quesnay, assim como os funcionários fisiocratas do governo, não estavam preocupados principalmente com a prevenção da fome ou a regulamentação da produção, mas queriam permitir o seu desenvolvimento para, em seguida, regulamentarem e “assegurarem” suas conseqüências. Enquanto o poder disciplinar isola territórios, impedindo-lhes a passagem, as medidas de segurança levam a uma abertura e à globalização; enquanto a lei quer prevenir e regular, a segurança intervém através de processos contínuos, com o fim de dirigi-los. Em poucas palavras, a disciplina quer produzir ordem, a segurança quer regular a desordem. Como as medidas de segurança podem funcionar somente dentro de um contexto de liberdade de tráfego, comércio e iniciativa individual, Foucault mostra que o desenvolvimento da segurança acompanha as idéias do liberalismo.


Hoje nos deparamos com desenvolvimentos extremos e muito perigosos quanto à idéia de segurança. Durante uma época de gradual neutralização da política e abandono progressivo das tradicionais funções do estado, a segurança se torna o princípio básico da atividade de estado. O que antes era apenas uma entre várias medidas definitivas de administração pública, até a primeira metade do século vinte, agora se torna o único critério de legitimização política. A idéia de segurança traz consigo um risco essencial. Um estado que faz da segurança sua única tarefa e fonte de legitimidade é um organismo frágil; ele é sempre passível de ser provocado pelo terrorismo, até se tornar ele mesmo terrorista.


Não devemos esquecer que a primeira importante organização de terror depois da Guerra, a Organisation de l’Armée Secrète (OAS), foi estabelecida por um general francês que se julgava patriota, convencido de que o terrorismo era a única resposta possível ao fenômeno da guerrilha na Argélia e na Indochina. Quando a política, assim como entendida pelos teóricos da “ciência política” do século dezoito, se reduz à polícia, a diferença entre estado e terrorismo tende a desaparecer. No fim das contas, a segurança e o terrorismo acabam formando um mesmo sistema letal, no qual um justifica e legitimiza as ações do outro.


O risco não é meramente o desenvolvimento de uma cumplicidade clandestina de oponentes, mas de que a busca por segurança leva a um mundo de guerra civil que torna impossível qualquer tipo de coexistência civil. Na nova situação criada pelo fim da forma clássica de guerra entre estados soberanos, fica evidente que a segurança encontra a sua finalidade na globalização: implicando a idéia de uma nova ordem planetária global, a qual é, na verdade, a pior de todas as desordens.


Mas há ainda outro perigo. Como elas requerem uma referência constante a um estado de exceção, as medidas de segurança trabalham no sentido de uma crescente despolitização da sociedade. A longo prazo, as medidas de segurança são irreconciliáveis com a democracia.


Nada é mais importante que a revisão do conceito de segurança como princípio básico da política de estado. Os politicos europeus e americanos finalmente devem levar em consideração as conseqüências catastróficas do uso geral e não crítico dessa idéia. Não é que as democracias deveriam parar de se defenderem mas, talvez, que tenha chegado a hora de se trabalhar no sentido de se prevenir a desordem e a catástrofe, e não meramente de se procurar controlá-las. Ao contrário, podemos dizer que a política trabalha secretamente no sentido da produção de emergências. É função da política democrática a de prevenir o desenvolvimento de condições que levam ao ódio, ao terror e à destruição, e não apenas se limitar a tentativas de controlar esse fenômenos depois que tenham ocorrido.


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