sábado, 30 de agosto de 2014

O PT ainda é uma força alternativa às elites?


 Amílcar Salas Oroño

Nas três últimas eleições presidenciais – 2002, 2006, 2010 – que deram a coalizão do Partido dos Trabalhadores (PT) como vencedor, houve segundo turno entre os dois candidatos mais votados. Não seria uma novidade, nem uma anomalia política que esta situação voltasse a se repetir neste ano. O que a morte do aspirante à presidência do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, trouxe é, talvez, não um cenário completamente diferente, mas sim algumas incertezas em relação às próximas circunstâncias em que as eleições presidenciais podem acontecer.

É certo que, diferentemente das eleições em outros países do Cone Sul, onde ocorreram “reeleições” com números plebiscitários, o caso brasileiro mostra um sistema político muito mais condicionado à construção de maiorias: tudo parece indicar que, novamente, Dilma Rousseff e o PT terão que se conjugar, em um futuro mandato, a uma governabilidade compartilhada – o que às vezes consome certa energia de uma agenda de mudanças, mas é consequência, definitivamente, das correlações de forças dispostas na sociedade.

Um espaço político conservador que se fecha

Nesta eleição, despede-se da vida política, tal como ele mesmo anunciou, o ex-presidente José Sarney (1985-1990), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Não importa tanto o nome próprio como o fato de ficar cada vez mais claro que a competência político-partidária no Brasil vai, lentamente, descartando uma determinada geração e modalidade de acesso, construção e atuação política.

Com a saída de Sarney, consolida-se o declino dos setores mais tradicionais e conservadores no exercício do poder, reciclados no sistema democrático – Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, entre outros –, o que não significa que estas “elites políticas” desaparecerão completamente.

Não se trata somente da saída de uma figura política determinante, mas sim de uma tensão que vem sendo produzida nos últimos anos entre forças políticas de uma estrutura “elitista” e, em oposição, outras forças democráticas com vocação “antielitista”. É certo que nada se apresenta de maneira tão clara, mas o próprio fato de existir esta tensão é algo auspicioso; uma clivagem que nem sempre se manifesta como tal, porque as mesmas condições de reprodução das amplas coalizões partidárias forçam a opacidade, mas que de maneira subterrânea pode servir de registro e caracterização do panorama brasileiro.

Não é somente o deslocamento de nomes: há uma espécie de modernização das opiniões e formas da competência política no Brasil, com a extinção progressiva daqueles “clãs” e fórmulas tradicionais do exercício político. Uma “modernização” que não implica na anulação de uma forma de compreender a totalidade social de um ponto de vista “elitista”.

De fato, a consequência desta reformulação organizativa é uma nova dispersão da representação: como dado desta eleição presidencial, pode ser mencionado o aumento no número de partidos com capacidade de transação e que integram as principais coalizões (nove, no caso da coalização encabeçada pelo PT; nove, no caso da coalizão encabeçada pelo Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, e seis no caso da coalizão liderada pelo PSB). Dispersão que herda a situação do recrutamento "elitista”. A própria “volta” vertiginosa de Marina Silva como candidata presidencial após a morte de Campos tem elementos de instalação mais correspondentes com os novos tempos; move-se sobre a base de certos recursos heterogêneos móveis, mesclando diversos aspectos: combinação de partidos pequenos, apoios intelectuais, patrocinadores de corpo próprio como a Natura ou a família Itaú, redes sociais etc.

Um efeito da “modernização” não sempre "antielitista" em suas posições, uma combinação ainda mais assimilável ao candidato do PSDB. Seria até possível colocar que a candidatura de Marina Silva é um pouco mais moderna em relação às formas tradicionais da política em transformação, em alguns momentos, pós-moderna, com os sentidos que querem atribuir ao termo.

Espaços políticos e ideologia

Alguns dados interessantes sobre esta questão podem ser extraídos, tal como fizeram alguns estudos, uma análise de perfis dos 513 deputados que compõem a Câmara dos Deputados.

A bancada do PT (90 deputados) é, entre os partidos políticos mais influentes, a que apresenta, no geral, o patrimônio pessoal médio mais baixo por deputado, a que mostra o menor índice de familiares relacionados à atividade política institucional e a que tem menos vínculos com atividades empresariais (por parte de cada um dos deputados).

Neste sentido, seria possível afirmar que o PT ainda é uma força política alternativa às “elites”, sejam elas políticas ou econômicas, confirmando um diagnóstico que segue há tempos e que caracteriza o PT como uma força que “popularizou” a política institucional no Brasil, o que não é um detalhe para as condições da democracia. Sobre isso, não apenas “os governos se parecem mais com seus povos”, mas, para o caso brasileiro, determinada “classe política” se parece mais com seu povo.

Entretanto, o fato de ter que compor uma governabilidade com forças políticas como o PMDB ou o Partido Progressista (PP), cujos integrantes – em sua maioria – claramente não comportam este caráter “antielitista”, faz com que sua imagem perca a nitidez. O desenlace entre os processos modernizantes e os projetos “elitistas” ou “antielitistas” está por vir.

Em todo caso, o que uma campanha eleitoral pode trazer, e é desejável que assim aconteça até outubro, é uma presença mais robusta no discurso político em relação à necessidade de identificar e “isolar as elites”, para depois tentar neutralizar sua ingerência sobre a dialética social. É um problema regional; em uma conjuntura como a atual, em que são definidas as características de nossa condição periférica, as travas que supõem os comportamentos das “elites” em sua busca por manter seus privilégios resultam em um impedimento para a expansão do próprio interesse nacional em cada um dos países. Por isso a importância desta eleição presidencial, e do caráter que ela assume.

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Amílcar Salas Oroño é cientista político do Instituto de Estudos da América Latina e do Caribe da Universidade de Buenos Aires (UBA).

A tradução é de Daniella Cambaúva.
Carta Maior / Portal del Sur.

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