Guillermo Ameyra
Trotsky nasceu, viveu, lutou e foi assassinato em 21 de agosto, 74 anos atrás, em um mundo repleto de revoluções anticapitalistas e de libertação nacional, porém marcado também por contrarrevoluções originadas pelo temor ao desenvolvimento impetuoso do movimento operário revolucionário que, à época, era internacionalista.
O final da Segunda Guerra Mundial, já sem Trotksy, abriu uma etapa completamente diferente, apesar de ter acelerado os movimentos anticolonialistas e independentistas em todo o mundo, cujos exemplos mais potentes foram a Revolução Chinesa, na Ásia, a Argelina, na África e a Cubana, na América Latina. Esse final de guerra presenciou uma onda revolucionária mundial, mas sem revolucionários socialistas que soubessem gerenciá-la e com os partidos socialistas e comunistas empenhados em reconstruir os Estados capitalistas, como na Itália, na França ou na Bélgica.
Stalin, por sua vez, conduzia a guerra na então União Soviética como a Grande Guerra Patriótica, pela Pátria Mãe, fomentou o nacionalismo russo, recorreu a heróis do império czarista, reintroduziu no exército os capelães ortodoxos, o poder e as dragonas dos oficiais e restituiu bens da Igreja ortodoxa. Seus sucessores, incluindo Vladimir Putin, fomentaram a nostalgia pelo czarismo, assim como pelo nacionalismo chauvinista e xenófobo. Os partidos comunistas de todo o mundo abandonaram o internacionalismo e desenvolveram o nacionalismo nos países em que atuavam. Assim se chegou, por exemplo, a guerras entre China e Vietnã. Enquanto nas ex-colônias o nacionalismo era libertador e anticolonialista, no resto do mundo, em contrapartida, subordinou os trabalhadores por décadas à falsa ideia de uma aliança com as burguesias nacionais a fim de conseguir o desenvolvimento sob a direção do aparato estatal.
Esse desenvolvimentismo capitalista de entidades estatais pequenas abriu o caminho para as transnacionais e para a globalização conduzida pelo capital financeiro, facilitando a derrota mundial dos trabalhadores e de suas organizações tradicionais (sindicatos, partidos socialistas e comunistas).
Nesse processo, os social-democratas se transformaram em liberais socialistas, levando às últimas consequências sua aceitação do capitalismo como suposto único marco para a ação. Os comunistas, na melhor das hipóteses, transformaram-se em social-democratas dedicados somente ao parlamentarismo e à farsa do eleitoralismo, enquanto os movimentos nacionalistas revolucionários deram origem a grupos burocráticos nacionalistas neoburgueses, corruptos e muito sensíveis a pressões burguesas locais e às do grande capital estrangeiro, como o PRI (Partido Revolucionário Institucional), o peronismo ou o partido oficialista argelino.
Enquanto países ainda “comunistas”, como China, Vietnã ou Coreia do Norte, dedicam-se a construir um capitalismo de Estado à custa do nível de vida dos trabalhadores - ou ainda, como o regime de Pyongyang, uma monarquia hereditária sangrenta disfarçada de “socialista” - o mundo atual está imerso em uma crise econômica, ecológica, moral, de civilização. Desde os gulags stalinistas, os campos de concentração nazistas, as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, as guerras da Coreia e Vietnã, os assassinatos em Ruanda e Burundi ou no Congo, vivemos em plena barbárie. Inclusive a sobrevivência de nossa espécie está à beira do colapso e muitos temem mudanças que possam piorar essa situação.
O capitalismo, já sem medo do movimento operário, destrói uma a uma as conquistas sociais de um século e meio; os trabalhadores, já sem utopias ou esperanças de superação do capitalismo, lutam de forma dispersa e defensiva. Se nos tempos de Trotsky a esperança socialista mobilizava centenas de milhões de operários, camponeses, intelectuais, anti-imperialistas e levava à discussão da estratégia revolucionária para conduzir melhor esse exército mundial rumo à vitória e à construção de um novo mundo, atualmente, não há confiança na mesma ideia de socialismo. Pelo contrário, toda Europa oriental e grande parte da Ásia foi vacinada contra ela pela barbárie do “socialismo real” stalinista.
A imensa maioria da humanidade naturalizou a ideia imposta pela burguesia de que não há alternativa ao regime capitalista, e aspira, quando muito, introduzir alguma mudança em um regime feroz e caótico por sua essência, onde o limite para a exploração é dado somente pela resistência social.
Uma consequência dessa desesperança é que Lênin ou Trotsky, teóricos revolucionários marxistas preocupados com uma estratégia que pudesse levar ao socialismo, são lembrados apenas por pequeníssimas minorias que se agarram a suas teorias ainda válidas, e que Marx reapareça apenas como economista, totalmente diferente do historiador e do socialista revolucionário, e como suporte para ideias e propostas banais, reformistas e neoliberais, como as de Thomas Pikkety.
Outra consequência para os que querem ser marxistas hoje, é entender que o passado não se repete, assim como não se repetem as políticas e a linguagem dos revolucionários da fase anterior. Além disso, aceitar que antes de mais nada devem compreender as amplas massas que, sob direções burguesas, lutam pela democracia, pela liberdade nacional, contra o imperialismo sem ser anticapitalistas e, portanto, devem estar junto a elas, mesmo sem compartilhar de seus erros e ilusões.
É preciso saber ser minoria, mas com vocação majoritária e pensando em como partir do nível atual de consciência e de organização das maiorias para intervir mais e melhor na crise e demonstrar que a democracia e a independência nacional somente se conquistam acabando com o regime que as torna impossíveis. E desse modo, começar a construir as bases de uma sociedade não capitalista igualitária e democrática, seja qual for o nome ou a forma que ela adote.
Tradução: Daniella Cambaúva
Carta Maior
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