quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Por que apoio Marina - Luiz Eduardo Soares

Aos amig@s que discutem democrática e respeitosamente, tenho a maior satisfação em responder. Àqueles que fazem o proselitismo hostil, buscando apenas desconstituir a candidatura de Marina com slogans e acusações, ultrapassando os limites do que um dia se chamou compostura, só me resta responder com o bloqueio. Não vou permitir que usem esse espaço para mera propagação do ódio ou para execução de tarefas profissionais a serviço de sabe-se lá quem. Quanto à equipe de assessores e interlocutores temáticos de Marina, eis o que penso.

O grupo é plural e retrata a trajetória da candidatura e suas alianças. Quando se criticava Lula por aliar-se a Henrique Meireles e nomeá-lo presidente do Banco Central, dizia-se que estava rendido ao neoliberalismo. Um equívoco de quem o acusava. Lula cometeu muitos erros, mas foi responsável pela redução das desigualdades no Brasil numa escala sem precedentes e seu legado é respeitabilíssimo. Pode-se discordar de seus dois mandatos, mas quem os classificasse como "neoliberais" não seria levado a sério pelos que sabem o que liberalismo significa. Lula manteve o tripé que herdou de FHC para evitar que o país se esfacelasse numa crise econômica e social sem tamanho e ingovernável. Teria sido o caminho para o despenhadeiro e o avanço irrefreável da direita, ou de populistas autoritários, regressivos, obscurantistas, com tiques de esquerda ou de direita. A lição de Lula foi compreender que o meio de avançar na democratização, na redução das desigualdades, no empoderamento das "classes subalternas" (para citar Gramsci), no capitalismo globalizado onde vivemos (esse é um dado real), é criar condições para o desenvolvimento, o que supõe organização das contas públicas, câmbio flutuante, controle da inflação, previsibilidade nas relações micro-econômicas, respeito a contratos. Isso permite ação social em profundidade, políticas públicas redistributivas e empoderadoras, e mais soberania nacional (não menos). A presença de Henrique Meireles e sua ação viabilizaram a política petista audaciosa no plano social. Os resultados positivos, quem os nega? Só o sectarismo estritamente ideológico, que acha que pode e deve derrotar o capitalismo destruindo-o e o substituindo pelo caos, espaço para os facismos de todo tipo e a fome, e o imobilismo político. Não seria possível destruir o capitalismo, mas, sim, transformar sua natureza autoritária e excludente, até criarem-se condições para mudanças qualitativas. Lula sabia disso.

A era Dilma procurou dar sequência aos mandatos de Lula, mas acabou reproduzindo seus vícios --houve muitos-- e gerando outros. Sua virtude foi não ter abandonado as políticas sociais. Mas o descompromisso com a sustentabilidade persistiu e agravou-se. O desapreço pela mudança nos métodos políticos continuou, ajudando a jogar no pântano a credibilidade da política. A cooptação substituiu a participação e o ufanismo do tipo "pátria grande" mascarou a dramaticidade das desigualdades (a despeito da indiscutível e importantíssima redução, ela estava e está aí, diante de nós). Dilma não moveu uma palha para conter a violência do Estado, por meio especialmente de seus braços policiais. Os estímulos -no jogo do pick the winner via BNDES, que criou a clientela entre as elites e desordenou a economia-- ao modelo automotivo levou as cidades a crises graves, retratadas, sinteticamente, na questão da mobilidade urbana. As alianças com o agro-negócio superaram todo limite aceitável. As sociedades indígenas, assim como o meio-ambiente e a problemática da reforma política inadiável, e da participação, foram tratadas como itens negligenciáveis de minorias irrelevantes. A questão da ética pública continuou sendo abordada como capricho pequeno burguês ou simples armações políticas da grande imprensa, sem que se assumisse a sério a autocrítica que o mensalão teria exigido. A saúde tem sido o que sabemos. A educação e a segurança não fogem à regra. Enquanto isso, estádios de futebol e Belo Monte consomem bilhões e destroem nosso patrimônio natural e tantas formas de vida, inclusive humanas. As obras de infra-estrutura para suprir a imensa carência nacional não andam, porque, aos entraves burocráticos conhecidos, acrescentou-se a hipercentralização da presidente (e ela gosta de chamar-se "gerente"). Nosso país continua a ser exportador de matéria-prima dependente do apetite e dos humores chineses, e de outros compradores de grãos, carne, etc... Para isso, devastamos a floresta e destruímos sociedades originárias, insisto. A questão da competitividade não avança, nem avançaria se viesse a assumir o governo o candidato do PSDB, conservador e ortodoxo, que só mira direitos sociais a serem extirpados. Competitividade depende de logística, infra-estrutura, agilidade administrativa e seleção de prioridades, conhecimento, tecnologia, trabalho qualificado. O saneamento básico ainda é uma vergonhosa chaga nacional. E o Minha Casa Minha Vida tem servido mais a empreiteiras do que aos beneficiários, como explica, didaticamente, Guilherme Boulos. O governo Dilma foi pior do que medíocre, foi pior do que desprovido de imaginação, foi incapaz de rever rotas e aprofundar conquistas --e o caso da cultura foi exemplar. Depois das conquistas de Gil, o desmonte provinciano e aparelhista. Mesmo assim, eu votaria em Dilma para evitar que o PSDB vencesse, trazendo a redução do salário real, o desemprego, o fim das cotas e das políticas sociais (que tenderiam a desinflar, mesmo que digam o contrário), e mais brutalidade policial, mais encarceramento, inclusive mais repressão a movimentos sociais, que seriam ainda mais criminalizados. E inclusive, não me iludo, mais corrupção e tanto aparelhamento quanto.

Ocorre que, felizmente, há opção. Marina tem o compromisso -e a conheço o suficiente para afirmá-lo sem a menor sombra de dúvida- de prosseguir e aprofundar as políticas sociais (inclusive as cotas e a democratização do acesso à universidade, valorizando a universidade pública) e as ações necessárias à redução das desigualdades. Dispõe-se a manter o tripé que a política liberal de Lula garantiu e que Dilma desconstituiu (negando que o fazia), com o que apenas arrefeceu o ímpeto da redução de desigualdades, sem qualquer ganho para o país, salvo para aqueles incluídos na bolsa-elite que o BNDES distribuiu seletivamente, montando uma grande aliança por cooptação. Marina investirá na participação política, no respeito às sociedades originárias, na redefinição do modelo automotivo e de nossa matriz energética, sustando a perversa destruição do meio-ambiente. Retomará régua e compasso de Gil na cultura.

Vamos ter a chance de revalorizar a política, o protagonismo cidadão, e de produzir, em debate com a sociedade, uma política para o clima e para a segurança pública com respeito aos direitos humanos, inclusive dos policiais, que são trabalhadores, cidadãos, cujos direitos frequentemente são violados por suas próprias instituições. Vejo Marina como uma sequência do melhor que Lula nos legou e como uma oportunidade para corrigir os erros de seus dois mandatos, que Dilma agravou. Mas, sobretudo, vejo-a na presidência como uma oportunidade histórica absolutamente extraordinária para retomarmos a gigantesca tarefa de imaginar, coletiva e dialogicamente, um outro mundo possível, um outro Brasil possível, respirando novos ares, aposentando categorias esgotadas, redundantes, incapazes de estimular a criatividade e o conhecimento. Uma sociedade mais parecida com meus ideais socialistas não se constrói por um ato de vontade, nem com dogmatismos. Supõe amadurecimento coletivo, pés no chão, valorização do que se constrói e os olhos postos acima do horizonte visível. Esse é meu ponto de vista estritamente pessoal. Ah! antes que me esqueça: Neca é uma pessoa admirável, por quem tenho o maior respeito e cuja visão de mundo preza a democracia e a equidade, a liberdade e os direitos humanos.

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