A primeira coisa que aconteceu foi disseminar a ideia de que o governo popular era comunista. De forma rarefeita a mídia aqui e ali não ensinava, não trazia os dados, trazia só as versões. Então ficou aquela coisa de comunismo.
Os evangélicos têm um medo, porque a gente cresceu ouvindo sobre a perseguição que os comunistas faziam aos cristãos, e na verdade era viés do movimento, mas dependendo de como a notícia chega, é a que fica. Os evangélicos temiam. Não tem nada a ver, por enquanto, com questão econômica, a livre iniciativa ou com capitalismo, tem a ver com “eles matam os cristãos”.
Depois, quando os evangélicos começaram a elaborar a pauta moral, principalmente contra a comunidade LGBT, o pessoal começa a disseminar que o governo popular não só apoiava essa comunidade de forma explícita, como tinha cartilhas ensinando as crianças a optarem por outro gênero.
Me lembro muitas vezes que as pessoas me falavam isso: “como você apoia um negócio desse?”, e eu respondia: “traz a cartilha, deixa eu ver”. Nunca chegou a cartilha.
Isso foi aquela angústia, “o que vai acontecer com meu filho”. A pauta moral foi ganhando força. Qual a única forma de deter a imoralidade dos pagãos e dos ateus em uma nação evangélica? Esses caras estão prontos para ouvir qualquer coisa que leve você a essa pauta moral. Além disso, líderes expressivos da fé evangélica começaram a dizer explicitamente “não votem no Partido dos Trabalhadores”.
Quando o Lula chegou, foi diferente. Primeiro porque o Lula era um cara do povo. Segundo porque o país estava falido. Hoje todo mundo, não sei porque, venera o Fernando Henrique Cardoso (FHC), mas quando o FHC estava terminando o mandato dele, a gente estava às escuras no apagão.
Não conheço nenhum jeito mais efetivo de sabotar uma nação do que apagão. Você deixar, mesmo que um dia, 18 estados sem luz. Sabe quanto isso custa? Sabe quanto custa uma linha de voltagem interrompida? Sabe quantos caras têm gerador próprio? O nome para isso é sabotagem, em qualquer lugar do mundo. Faltou brio para mídia dar nome aos bois. Além do cara desvalorizar a nossa moeda em 90% da noite para o dia e reduzir nossos ativos a quase zero e vender nossos ativos a preço de banana, o cara deixa a gente sem luz.
Então você tem um Estado falido e as massas alvoroçadas, e chega o Lula. O Lula é cara do acordo trabalhista, da ideia de que é possível haver mais acordo entre proletário local e proprietário local do que entre as internacionais, sejam socialistas ou capitalistas.
No primeiro momento o Lula consegue fechar esse acordo, porque convence os empresários de que o cara estava vendendo tudo, que se não apoiassem, não teriam nada, pois estavam falidas a construção naval, a siderurgia em desespero, e sofrendo apagão. Por isso ele consegue a formulação trabalhista.
Os evangélicos tinham uma certa desconfiança, mas a gente é majoritariamente pobre, feminino e negro. Nossos pastores estão em contato direto com a pobreza, com a miséria, aí vem um cara que emana do povo, que fala sobre a fome e chora, então todo mundo se une. “Precisamos salvar esse país, porque nosso ex-presidente só faltou entregar a chave”.
Por isso deu tanto trabalho para demover a figura do Lula do governo popular. Isso só acontece quando a Dilma sobe ao poder e se afasta das bases. Quando a Dilma se afasta dos movimentos de base, também se afasta dos movimentos da periferia, que são majoritariamente evangélicos. Se afasta do MST, do MTST, que está cheio de evangélico.
A falta de diálogo abriu um vazio ideológico que podia ser preenchido por qualquer um. Foi criando na cabeça dos pastores a ideia de que tinham sido enganados. Eles que até então ouviam o grupo A, começam gradativamente a ouvir o grupo B por causa da distância. Não foi falta de gritar.
Não bastasse isso, tem toda uma articulação da direita, muito bem pensada. A direita sabe exatamente com quem falar, ela não vai conseguir nos caras engajados politicamente, mas nos caras que têm uma preocupação moral. O moralismo segrega, o ser humano deixa de ser digno pelo fato de existir, ele precisa fazer alguma coisa para ser digno.
A fé cristã ensina que o ser é humano porque ele existe, não importa a forma, mas quando você briga por moralismo, ele exige que o cara se prove digno e qualquer movimento que exige de outro ser humano que ele se prove digno, está contaminado, é só saber falar.
Quando eu olho para o que aconteceu no Brasil, fico pensando que você tem verdadeiros mestres da comunicação por trás de tudo isso, que tem um negócio pensado e organizado. O fato do governo Dilma ter se afastado das bases sociais, deixou o governo popular sem a única força que sempre teve, que é a mobilização do povo, contando que o pessoal da coligação era confiável, o que já se sabia que não era, então o púlpito ganhou um contorno de verdade incontestável, ele já é quando fala das coisas da fé, daí a pular para as coisas da política foi um detalhe.
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Pastor Ariovaldo em entrevista à Mídia NINJA.
Traficantes deixam armas de lado para fazer uma oração com o pastor Nilton, em uma favela do Rio de Janeiro. Foto: Felipe Dana / AFP
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