Ao contrário do que pensava Platão, que proibiu os artistas e poetas de entrarem em sua república porque só sabia copiar a cópia do mundo das ideias, o conceito aristotélico de mimesis não significa cópia, imitação ou reprodução da realidade. No pensamento de Aristóteles mimesis significa virtualidade, mundo virtual, e não o mundo realmente existente. O poeta, segundo o filósofo grego, tem a liberdade de ir além do realmente existente e recriá-lo, respeitando as leis da necessidade e da verossimilhança. O conceito aristotélico de mimesis é importante porque aponta para o mundo dos possíveis, das possibilidades não realizadas, mas latentes no passado.
Essa ideia de mimesis prosperaria na idade contemporânea, quando os autores revisitando os antigos descobriram a abertura essencial do relato histórico, entendendo que a história não tem fim. O leitor sempre pode acrescentar novos projetos de leitura à representação do passado, enriquecendo-o, ampliando-o. Nesse caso, o conceito de mimesis tornou-se reconstrutivo, recreativo e atingiu a escrita dos historiadores. A historiografia se deixou influenciar por essa modalidade de mimesis, e o relato histórico deixou de ser uma mera racionalização da epopeia do vencedor (ou seja a apologia do fato consumado) para se tornar uma reinvenção do passado.
Mas esse conceito de mimesis está estreitamente associado a um novo conceito de tempo. Ao contrário da temporalidade homogênea e linear da historiografia moderna (iluminista), o historiador descobriu outra modalidade de tempo chamada de transtemporalidade. A transtemporalidade é a possibilidade de atualizar as promessas, os sonhos, os projetos do passado no presente, de forma a romper os limites rígidos da organização tradicional do calendário histórico. Transtemporalizar a história é resgatar as histórias não realizadas, mas latentes, esquecidas, silenciadas pela historiografia oficial. É libertá-las do esquecimento e do silêncio imposto a elas pelo relato linear, retilíneo que transforma a necessidade histórica em virtude. Seguir o tempo dos cronômetros e dos calendários seria simplesmente condenar os mortos a uma segunda morte. E assim sucessivamente cada vez que a história fosse recontada. Esse conceito de tempo, que tem a ver com uma hermenêutica reconstrutiva, teve vários defensores: Proust, Bergson, Benjamin, Braudel, Deleuze. Para estes, o tempo não é um mero invólucro dos acontecimentos, mas é a carne da história, continua vivo, pulsando e clamando pela libertação do passado.
O conceito de mimesis, como reconstrução do real, e de tempo como transtemporalidade nos leva a discutir a natureza do signo. Que tipo de signo se adequaria a essa nova escrita da história? Aqui o conceito de signo vai além da mera função semântica das palavras, ou seja, a sua obrigação de significar. O signo adequado a essa nova historiografia seria alegórico, e não simbólico, entendido este como o signo da escrita da dominação social.
O signo alegórico é diferente: é polissêmico, é ambíguo, ruinoso, de difícil compreensão, pois deve ludibriar a censura política e social, deve comunicar conteúdos proibidos pela lei e pela moral. O signo alegórico é o que melhor se presta a essa hermenêutica reconstrutiva, pois ele protege conteúdos que subvertem a ordem social estabelecida. É a forma de expressão da historiografia dos vencidos, dos que não têm voz, dos foram silenciados pela história oficial. Dessa forma, se assemelha à linguagem expressiva, criadora, inventiva, e não à linguagem pragmática (do poder) ou a linguagem comunicativa (descritiva do real). A alegoria, como forma de expressão, é o signo ideal para o resgate das histórias não contadas, não efetivada pelas lutas das classes sociais. Mas nem por isso menos importante e cheias de ensinamentos para as gerações futuras.
Por Michel Zaidan Filho, filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do NEEPD/UFPE – Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
Essa ideia de mimesis prosperaria na idade contemporânea, quando os autores revisitando os antigos descobriram a abertura essencial do relato histórico, entendendo que a história não tem fim. O leitor sempre pode acrescentar novos projetos de leitura à representação do passado, enriquecendo-o, ampliando-o. Nesse caso, o conceito de mimesis tornou-se reconstrutivo, recreativo e atingiu a escrita dos historiadores. A historiografia se deixou influenciar por essa modalidade de mimesis, e o relato histórico deixou de ser uma mera racionalização da epopeia do vencedor (ou seja a apologia do fato consumado) para se tornar uma reinvenção do passado.
Mas esse conceito de mimesis está estreitamente associado a um novo conceito de tempo. Ao contrário da temporalidade homogênea e linear da historiografia moderna (iluminista), o historiador descobriu outra modalidade de tempo chamada de transtemporalidade. A transtemporalidade é a possibilidade de atualizar as promessas, os sonhos, os projetos do passado no presente, de forma a romper os limites rígidos da organização tradicional do calendário histórico. Transtemporalizar a história é resgatar as histórias não realizadas, mas latentes, esquecidas, silenciadas pela historiografia oficial. É libertá-las do esquecimento e do silêncio imposto a elas pelo relato linear, retilíneo que transforma a necessidade histórica em virtude. Seguir o tempo dos cronômetros e dos calendários seria simplesmente condenar os mortos a uma segunda morte. E assim sucessivamente cada vez que a história fosse recontada. Esse conceito de tempo, que tem a ver com uma hermenêutica reconstrutiva, teve vários defensores: Proust, Bergson, Benjamin, Braudel, Deleuze. Para estes, o tempo não é um mero invólucro dos acontecimentos, mas é a carne da história, continua vivo, pulsando e clamando pela libertação do passado.
O conceito de mimesis, como reconstrução do real, e de tempo como transtemporalidade nos leva a discutir a natureza do signo. Que tipo de signo se adequaria a essa nova escrita da história? Aqui o conceito de signo vai além da mera função semântica das palavras, ou seja, a sua obrigação de significar. O signo adequado a essa nova historiografia seria alegórico, e não simbólico, entendido este como o signo da escrita da dominação social.
O signo alegórico é diferente: é polissêmico, é ambíguo, ruinoso, de difícil compreensão, pois deve ludibriar a censura política e social, deve comunicar conteúdos proibidos pela lei e pela moral. O signo alegórico é o que melhor se presta a essa hermenêutica reconstrutiva, pois ele protege conteúdos que subvertem a ordem social estabelecida. É a forma de expressão da historiografia dos vencidos, dos que não têm voz, dos foram silenciados pela história oficial. Dessa forma, se assemelha à linguagem expressiva, criadora, inventiva, e não à linguagem pragmática (do poder) ou a linguagem comunicativa (descritiva do real). A alegoria, como forma de expressão, é o signo ideal para o resgate das histórias não contadas, não efetivada pelas lutas das classes sociais. Mas nem por isso menos importante e cheias de ensinamentos para as gerações futuras.
Por Michel Zaidan Filho, filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do NEEPD/UFPE – Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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