Débora Fogliatto
O seminário Democracia, Direitos Humanos e acesso ao Sistema de Justiça reuniu, nesta quinta-feira (25), movimentos sociais e profissionais da área do Direito no debate intitulado “Direitos humanos, lutas sociais e o sistema de justiça”, no auditório da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública (Fesdep). Na situação, a defensora pública Mariana Py e a integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Salete Carollo falaram de acesso à justiça e das características do Judiciário brasileiro. O advogado Jacques Alfonsin criticou a omissão deste Poder diante do afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT).
O evento foi promovido por diversas entidades, articulações e instituições que afirmam sentir “a necessidade de aprimoramento do acesso à justiça”, no contexto da conjuntura atual do país, que “impele a sociedade a debater a democracia e o permanente desafio de efetivação dos direitos humanos”. Participaram da organização: Fórum de Justiça; JusDH; Rede Nacional de Advogadas/os Populares (RENAP); Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB-Porto Alegre); Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU/UFRGS); Acesso-Cidadania e Direitos Humanos; Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do RS.
Mesmo com a organização tendo partido de entidades profissionais, Mariana, que integra o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do RS, afirmou que o local de fala sobre esse assunto é dos movimentos, destacando que todas as conquistas sociais foram a partir de reivindicações da própria militância. “Em alguns temas recentes, o Judiciário pode ter sido quem declarou os direitos, mas a conquista veio dos movimentos”, apontou. Ao mesmo tempo, ela admite que a conquista de direitos humanos por meio do sistema de Justiça é “árdua, difícil”.
Mariana: conquista de direitos humanos por meio do sistema de Justiça é “árdua, difícil”.
Isso porque, segundo mencionou, o Judiciário é “elitista e conservador”, o que se reflete inclusive no sistema de ascensão para cargos de juízes. “Normalmente, a realidade dos juízes está distante da maioria do povo brasileiro”, resumiu. Atualmente, acontece uma distorção do papel dos três poderes, segundo ela: o Legislativo é omisso, o Executivo faz a judicialização da política, enquanto o Judiciário está se tornando politizado, de forma reacionária.
A militante do MST Salete Carollo também destacou esse viés: “a Justiça só ocorre para a elite, que é quem comanda o país”, afirmou, mencionando que há pessoas conscientes no Judiciário e Ministério Público, mas são a minoria. Moradora do assentamento Hugo Chávez, em Tapes, que existe há 20 anos, baseado na agricultura familiar e produção de alimentos 100% orgânicos, ela falou da forma de organização do movimento e das conquistas ao longo dos anos. “O MST tem organizado os sem-terra para lutar não apenas por terra, mas também por outros direitos, como cidadania, educação”, contou.
Uma das principais conquistas foi a criação das escolas itinerantes, localizadas nos acampamentos, com a característica de se deslocarem conforme a necessidade do movimento. Salete contou que, durante o governo de Yeda Crusius (PSDB) no Rio Grande do Sul (2008-2011), foi realizada uma ofensiva contra os estabelecimentos de ensino, com o fechamento de diversas escolas. “Veio esse governo aliado ao capital financeiro, determinou o fim das escolas itinerantes, não aceitavam que ali se estudava Paulo Freire, Karl Marx, economia política”, relatou.
Salete lembrou de perseguição do governo de Yeda Crusius às escolas itinerantes do MST
Apesar desse retrocesso, nos últimos anos ela afirma que houve também avanços, como a formatura da 1ª Turma Especial do Curso de Medicina Veterinária para assentados da Reforma Agrária, pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), em 2015, mencionou Salete. Essas dificuldades e conquistas são parte do cotidiano de quem faz movimento social, mas ela lamentou que, atualmente, a “elite ganhou”, referindo-se à conjuntura política nacional, com parceria da grande mídia, que está “cooptando consciências”.
Nesse sentido, Jacques Alfonsin, da Rede Nacional de Advogadas/os Populares, questionou se atualmente, no Brasil, o poder está sendo exercido pelo povo, conforme está determinado pela Constituição. Também falou da relação entre legalidade e legitimidade, destacando que uma não serve sem a outra. “Quem defende o governo interino fala da legalidade, que o impeachment seria previsto em lei. Mas e a legitimidade? Uma sustenta a outra, e nesse caso não houve legitimidade”, apontou.
Nesse sentido, ele menciona que o Judiciário poderia ter interferido durante o processo de afastamento de Dilma. “O senador Cristóvam Buarque, que é professor universitário, abre o discurso dele a favor do golpe perguntando se alguém vê tanques de guerra na rua. Mas sabemos que há forças muito superiores à militar, inclusive a do capital, que está festejando esse golpe”, criticou.
Evento organizado por entidades jurídicas teve inscrições encerradas, mas locais vagos podem ser preenchidos mediante chegada
Outra justificativa usada, segundo Alfonsin, foi a de que a sobrecarga de compromissos sociais assumidos pelo Estado não cabem na Constituição, por supostamente terem “despesas muito grandes”. “A resposta que deram para isso foi a completa inversão, inconstitucionalidade forçada, que a mídia esconde”, afirmou, criticando também o papel da imprensa no processo e no “total descrédito em relação à política” na sociedade atual. “Estamos correndo o risco de perder conquistas que tivemos, inclusive na reforma agrária, nos assentamentos”, lamentou.
Seminário
Após a primeira mesa, o evento seguiu com o painel “As instituições do sistema de justiça e os golpes” e conta com programação também nesta sexta-feira (26): às 14 horas, acontece a mesa “Autonomia e controle social: desafios para a democratização do sistema de justiça”, com Elida Lauris, Ex-secretária da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir); Roger Raupp Rios, desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) e coordenação de Rodrigo Medeiros, da Renap. Às 16h, ocorre o lançamento do Livro “Anuário sobre o Sistema de Justiça: Olhares críticos sobre o Judiciário em 2015”, e lançamento da campanha “Mais Direitos, Mais Democracia”, com a presença de Denise Dora, ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado do RS; Luciane Escouto, da campanha Mais Direitos, Mais Democracia e Leandro Scalabrin, da Renap.
Sul 21
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