terça-feira, 23 de agosto de 2016

A (in) Justiça no atacado


‘Terra sem lei’ e de ‘vale tudo’

A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT vêm a público denunciar o quadro de deterioração do ambiente político e social no país e suas agravadas consequências. Medidas políticas e judiciais de flexibilização e subtração de salvaguardas sociais e ambientais são impostas, num retrocesso que traz sofridas lembranças do tempo da Ditadura Civil-Militar. Parece que quase nada avançamos desde então, a não ser para mais fundo no reino da hipocrisia e da indigência moral dos discursos e coberturas da mídia.

A nota foi publicada pela Comissão Pastoral da Terra, 22-08-2016.

Eis a nota.

No campo, este cenário conturbado da política nacional tem propiciado um ar pestilento de “terra sem lei” e de “vale tudo”.

Madeireiros, fazendeiros e outros agentes do agronegócio avançam sobre a Amazônia e o Cerrado numa sofreguidão há tempos não vista. Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostram que a região perdeu 972 km² de florestas em junho de 2016. Um aumento de 97% se comparado a junho de 2015. Situação denunciada, semana passada, pelas CPTs da Amazônia.

Assiste-se a um crescimento assustador da violência contra homens e mulheres no campo, sobretudo contra indígenas e quilombolas num ódio etnocida, ao modo do Brasil Colônia. Só, em 2015, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT (CEDOC) registrou o assassinato de 50 pessoas em conflitos no campo, este ano o quadro é ainda pior.

Até meados de agosto, em dados parciais, já se registram 40 mortes de trabalhadores e seus defensores, 33% a mais do que em igual período de 2015, quando houve o registro de 30 assassinatos. Também cresceu em 58% o número de tentativas de assassinato, 43 até agosto de 2016, 28 em igual período de 2015 e em 96% o número de famílias expulsas do campo por ação de pistoleiros e jagunços, 764. Em igual período de 2015, 389 famílias foram expulsas. A CPT do Tocantins denunciou, em julho, a ocorrência de cinco ações violentas de expulsão, em apenas três meses.

O Judiciário tem agido inescrupulosamente como braço do capital e dos interesses do agronegócio. Caso emblemático acontece na Bahia, onde decisão judicial nega o direito de quase 400 famílias que vivem há mais de 100 anos em terras públicas de “fundo de pasto” em Areia Grande, município de Casa Nova.

O estado de Goiás está servindo de laboratório para a repressão e criminalização dos movimentos sociais. Foi decretada a prisão de quatro lideranças do MST, enquadradas na lei 12.850/2013, que caracteriza o movimento como “organização criminosa”. Duas destas lideranças estão presas e outras duas se exilaram. Em junho, outro líder sem-terra também foi preso enquadrado na mesma lei. Os pedidos de habeas corpus, com excelente fundamentação jurídica, foram sistematicamente negados.

Esta explosão de violência e agressões, ao que tudo indica, tem tudo a ver com o golpe parlamentar, judicial e midiático que está sendo perpetrado contra a vontade popular, na deposição da Presidenta da República. Se aprovado seu impedimento pelo Senado, ainda que cumpridos ritos legais, estará consumado um golpe de Estado, já mostrado a que veio pelo acelerado processo de desmonte de direitos sociais das classes trabalhadoras, tramado às claras e aplicado sem cerimônia pelo governo interino ilegítimo, a serviço explícito do capital, tanto nacional quanto internacional. A proposta de liberar a venda de terras aos estrangeiros é uma prova cabal desse serviço, que junto a uma ampla concessão de títulos de terra aos assentados visa tornar o campo ainda mais concentrado e conflituoso.

Para cercear a ação dos movimentos sociais, há poucos dias, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, criaram força-tarefa para monitorar ações do MST e movimentos contrários ao governo ainda interino.

Sérias suspeitas já pesam sobre os rumos da operação Lava Jato que galvanizou a opinião pública enojada de tanta corrupção política, mas cada dia parece menos propensa a cumprir o que prometera: “passar o Brasil a limpo”. Teria cumprido seu inconfessável intento?

Diante deste quadro se prevêem fortes reações populares, que serão reprimidas com a violência que se anuncia e já se pratica, podendo levar o país à convulsão social. As campanhas eleitorais municipais iniciadas poderão até atenuar ou adiar este quadro sinistro, mas não o deterão, se não for restabelecida a normalidade democrática.

O Deus da Vida que “ama quem pratica a justiça e não abandona os seus fiéis, mas a descendência dos ímpios vai exterminar” (Salmo 37,28), nos fortaleça na busca da paz. Como a palavra do Mestre nos ensina é das periferias do mundo que virá a libertação. É nossa fé.

Goiânia, 22 de agosto de 2016.

Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT

Unisinos

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