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José Carlos Peliano
Nossos pais e avós diziam a célebre frase “seguro morreu de velho” e com ela aprendemos aos poucos a nos cuidar aqui e ali para evitar imprevistos desagradáveis.
O alerta servia para não gastar muito no consumo corrente, guardando sempre um pouco para os anos mais à frente. Uma espécie de poupança mensal era incentivada para resguardar também dos gastos das doenças e demais enfermidades típicas da velhice.
Quem lutava para ocupar espaço e usufruir do alerta estampado na frase corriqueira eram os abnegados e igualmente chatos vendedores de seguro de vida. Deles se ouvia a necessidade de pelo menos gastar um pouco a cada mês para deixar um bom pé de meia para a família quando da morte do pagador.
Os tempos eram outros, mais simples, modestos e menos vorazes ao contrário de hoje em dia. Não só os vendedores de seguros ainda não conseguiam ampliar a clientela em escala favorável, como as empresas seguradoras igualmente procuravam abrir caminho com dificuldades para ofertar seus produtos.
Passam os anos, o século 20, e chega o século 21. Com todos eles mudanças sonoras e consideráveis no mercado de seguros. Multiplicaram-se os produtos, as vendas casadas, as facilidades de contratos, a redução da quantidade de vendedores individuais e o aumento do fácil acesso à internet.
O seguro hoje faz parte de nosso dia a dia mesmo que não demos conta disso. Seguro de automóvel, seguro residencial, seguro de viagem, o velho seguro de vida, seguro saúde, seguro educação, seguros para aplicações financeiras, seguro contra incêndio, seguro de acidentes pessoais, entre outros.
De fato, as velhas empresas de seguros se tornaram complexas companhias seguro-financeiras. Elas sustentam não só o mercado de seguros de várias modalidades, mas também parte significativa do mercado financeiro. E de investimentos.
Aplicam seus volumes de recursos nos papéis financeiros em geral e participam de empreendimentos como grandes investidoras, mormente nas áreas de energia, transportes, logística e imobiliária.
Mais que seguradoras estrito senso, elas se tornaram quase-bancos na medida que fazem parte da maioria dos negócios que necessitam de aportes de recursos de alta monta. São alimentadas pelos seguros que muitos de nós fazemos a cada ano.
Um dos ramos que mais tem se expandido no mercado de seguros é o de saúde. Nunca se gastou tanto em planos de saúde, das mais variadas patrocinadoras, como nos últimos tempos. O volume de recursos vem aumentando ano a ano para dar suporte e socorro aos milhões de brasileiros que gastam mensalmente quantias de suas rendas para obter o benefício.
As receitas de saúde suplementar das companhias vieram de R$ 111 bilhões em 2013 a R$ 127 bilhões em 2014, enquanto as despesas atingiram R$ 92 bilhões e R$ 106 bilhões respectivamente. A diferença nos dois anos chegou a marcar um lucro bruto de R$ 19 bilhões em 2013 e R$ 21 bilhões em 2014.
Por sua vez o total dos ativos garantidores das operações de todas as seguradoras foram de R$ 466 bilhões em 1973 e de R$ 552 bilhões em 2014. Um aumento bruto de R$ 86 bilhões ou 18,4%,
O aumento no volume de recursos está intimamente associado à antecipação de providências para manter os indivíduos saudáveis e ao medo respectivo de serem afetados por enfermidades e doenças, desde as mais leves e ligeiras às mais nefastas e crônicas.
Embora a vinculação entre a precaução e o medo seja muitas vezes inevitável, pois nunca se sabe do dia de amanhã, tampouco se seu organismo está de fato livre de algum problema físico camuflado e ainda não manifesto, a apologia do medo toma conta das recomendações e alertas dos agentes de saúde bem como da indústria farmacêutica.
Essa indústria segue a trilha que leva do medo da doença à aquisição de medicamentos, daí que dúvidas, suspeitas, sintomas e riscos são motivos suficientes para se procurar um médico ou adquirir uma droga por conta própria diante de uma provável doença real ou imaginária.
Até com novos tipos de doenças que aparecem, mesmo que o indivíduo esteja passando bem. O conselho de ir ver um médico encobre muitas vezes sugestionar o indivíduo sobre algum mal não detectado, mas quem sabe encoberto em meio a uma série de exames pedidos e análises apressadas ou mal feitas.
O fato é que as companhias farmacêuticas têm se aproveitado da relação médico x paciente para não só sugestionar doenças e enfermidades novas, como também vender medicamentos associados. Acabam construindo uma grande clientela potencial, um mercado consumidor de médicos, doenças e medicamentos.
Ao fim é bom para a indústria farmacêutica apostar na hipocondria e no medo, pois vende mais medicamentos de toda espécie, mas que também é providencial para as companhias de seguro porque aumentam o volume de planos de saúde adquiridos pela população.
Manter a insegurança sobre o futuro e o medo de doenças e enfermidades é campo aberto para assegurar a supremacia de medicamentos e seguros. No rol dos medos explorados pelas propagandas na mídia e insuflados sobre os pobres consumidores vale tudo. Toda a família e as gerações dela são envolvidas.
É claro e óbvio que há que se cuidar da saúde e prevenir doenças e enfermidades, mas sem medo, pânico e fixação. Não fazer da exceção a regra. Cuidados alimentares saudáveis, condicionamento físico e atividades de relaxamento e meditação têm sido indicadas para ajudar a saúde física e mental. Não se deixar envolver fácil, de imediato e sem maiores informações por propagandas e aconselhamentos vez por outra alarmistas e despropositados.
Sintomas benignos são muitas vezes identificados como sintomas que merecem cuidados. Uma simples dor de cabeça repetida, antes tratada com óleo de copaíba, pode ser facilmente transformada em, quem sabe, algum sinal de complicação no cérebro.
Doenças novas viram moda e geram pânico. Um exemplo típico: diarreia, antes suprimida com elixir paregórico ou um chá da vovó, hoje corre o risco de ser coisa mais séria, segundo a indústria, tipo insuficiência do pâncreas.
Mas isso só é pouco se comparado à enxurrada de propaganda de clínicas, medicamentos e alertas sobre a disfunção sexual dos homens e a frigidez das mulheres. Se hoje o homem quer se manter ereto e a mulher esfuziante, ambos têm de fazer uma série de exames, eventualmente passar por cirurgia, se encher de medicamentos e até fazer cursos de preparação para voltar bem à ativa. Coisa que antigamente bons bocados de amendoim, ovos de codorna ou doses de chá de catuaba resolviam solenemente.
Além do medo de que o medicamento tomado perca a efetividade mais cedo ou mais tarde; medo de que no futuro se contraia a doença tão temida – como fez Angelina Jolie ao retirar os seios com antecedência do surgimento de um possível câncer, na época inexistente. Medo do medo de não fazer nada. Medo de tudo.
Pois a indústria farmacêutica bem que se aproveita da indústria do medo para ampliar seu mercado. Com ela se amplia também o mercado das seguradoras. Ganha-se, portanto, milhões apenas apostando no medo.
Mas o medo real, contudo, talvez venha ser o de ter de pagar para viver. Só falta inventarem um seguro para ser feito ao nascer garantindo ao indivíduo medicamentos, exames, intervenções cirúrgicas e visitas aos médicos pela vida afora. A entrega da vida aos faturadores da síndrome do medo de doenças.
Carta Maior
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