quinta-feira, 25 de junho de 2015

Lula: confronto com o PT ou proposta de debate ?


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Lula constatou o óbvio: o PT envelheceu, como utopia e do ponto de vista literal: seus líderes são idosos e o partido não consegue renovar seus quadros.
 
Maria Inês Nassif

As afirmações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o PT podem ser vistas de duas formas: como um puxão de orelhas público (e aí se considera que Lula esteja do lado de fora do partido) ou como autocrítica – e nesse caso, como petista, o ex-presidente estaria propondo ao seu partido uma reflexão sobre os rumos tomados pela agremiação desde que chegou ao poder, em 2003.



 

A segunda hipótese é muito mais razoável do que a primeira. Em um debate sobre os rumos da democracia, que teve o ex-presidente espanhol Felipe Gonzalez como conferencista, Lula tornou público o diagnóstico que faz do partido que ele criou, do qual é a figura mais importante e de onde nunca quis sair. São opiniões que tem expressado internamente desde que deixou de ser presidente da República, em 2011, e que se tornaram convicção depois do julgamento do Mensalão, quando o PT expôs sua enorme incapacidade de reação a situações de grande adversidade.
 

Não é um grito de guerra porque Lula está dentro do PT e de lá nunca quis sair. É uma proposta de revisão de processos internos e de abertura a um novo contingente de cidadãos que está fora da política porque não encontra abrigo nos partidos, e que está ansioso por se fazer ouvir.
 

Trata-se de dar novamente abrigo a uma parcela de eleitores jovens que está dispersa, não tem direção política e não vê abertura para se incorporar ao processo político. O PT deixou de atrai-los porque acomodou seus quadros às exigências do poder, não formou novos e consequentemente deixou de ter uma sólida base partidária, capaz de reagir e neutralizar os cada vez mais violentos ataques dos adversários.
 

Lula disse que o PT ficou velho porque realmente o PT ficou velho, junto com os seus quadros – do qual ele próprio faz parte. “Eu, que sou a figura proeminente do partido, tenho 69 anos e já estou cansado”, disse ele. Não é uma crítica. É uma constatação.
 

A incorporação dos jovens à política tornou-se um elemento central das preocupações do ex-presidente com o partido desde as manifestações de junho de 2013, que expuseram o potencial de inconformidade dos jovens com a política. Naquele momento, tornou-se óbvio que não era automática a adesão dos incluídos pelos governos petistas ao governo ou ao PT, e que o conjunto de políticas sociais levadas a termo pelo seu governo, e no primeiro mandato de Dilma Rousseff, não poderiam substituir o imprescindível papel de mobilização, organização e mediação que os partidos políticos devem exercer.
 

Este é um diagnóstico compartilhado por grupos expressivos do partido, conforme ficou claro no congresso nacional realizado entre os dias 11 e 14 deste mês em Salvador.
 

É difícil mudar a rota com o trem em movimento, mas é impossível transformar o partido sem que seu maior líder proponha claramente um debate sobre o futuro. E nas afirmações de Lula, feitas na segunda-feira, é clara a intenção de provocar a discussão interna. Na plateia, estavam companheiros antigos de militância sindical e partidária, parlamentares e membros da direção petista. O presidente do PT, Rui Falcão, só não estava lá porque teve que sair antes. É para essas pessoas que Lula falava.
 

O roteiro da intervenção do ex-presidente foi o seguinte:
 

1. O PT representou, em 1980, ano de sua fundação, o que representa hoje o partido espanhol Podemos, nascido das gigantescas manifestações de protesto de 2011. “A gente nasceu de um sonho, de fazer com que a classe trabalhadora pudesse ter vez e voz. E nós construímos essa utopia”, disse Lula. “Em pouco tempo nós conseguimos motivar o movimento sindical e setores de esquerda, sobretudo a meninada que foi para a luta armada”, foi derrotada e convergiu para a ideia da via democrática.
 

2. O PT tem uma rica história de democracia interna. “Eu acho que o PT é o mais glorioso exemplo de convivência democrática na diversidade. (No partido tinha) de tudo um pouco”. Segundo o ex-presidente, foi dessa unidade conseguida por meio da convivência com a diversidade que deu ao partido condições de chegar ao poder com apenas 20 anos de existência. Este é um importante legado.
 

3. Ao entrar na política institucional, no entanto, a utopia foi se acomodando à realidade: “Acontece que a gente cria o partido, o partido político cresce, ganha prefeituras, ganha governos de estado, elege vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, e quando acontece isso entra na roda viva da política. E, ao invés de mudar a política, a gente acaba se adequando à política.”
 

4. O PT também sofre as consequências dos impasses vividos pela esquerda mundial. “Possivelmente hoje estamos vivendo um momento de cansaço”, segundo Lula.
 

5. A utopia foi perdida, concluiu Lula, dividindo com o partido e o governo a responsabilidade por isso. “Eu, sinceramente, não sei se o defeito é nosso, se é do governo, mas o PT perdeu sua utopia (...) Hoje a gente só pensa em cargo, a gente só pensa em emprego, a gente só pensa em ser eleito, ninguém hoje trabalha de graça”. E o partido perdeu sua capacidade mobilizadora.
 

6. As esquerdas em geral, e o PT em particular, devem assumir o papel de restituir a centralidade da política, resgatá-la como o instrumento efetivo de mudanças. “Nós precisamos levar o convite à participação política como uma obsessão (...) porque negar a política é muito pior”. O resgate da política é a defesa da democracia.
 

7. Para resgatar o sonho, o partido precisa atrair a juventude. “Nós não conseguimos nem fazer jovens para ocupar o nosso lugar – e o PT já foi um partido cuja maioria era de jovens com menos de 30 anos. A gente está velho. Já estou cansado, estou falando as mesmas coisas que falava em 80. E fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução nesse partido. Nós temos que definir se nós queremos salvar a nossa pele e nossos cargos ou nós queremos salvar o nosso projeto”.
 

8. A crise de lideranças não é apenas um problema do PT, mas um problema dos partidos políticos em geral. “A crise de 2008 foi muito mais política que econômica, (deflagrada) pela ausência de lideranças políticas, principalmente no continente europeu”.
 

Ao traçar esse diagnóstico e fazer a autocrítica, Lula definiu um roteiro para o debate interno do PT, que parte da premissa do envelhecimento – também etário – do partido, de sua dificuldade de atrair novos quadros e da incapacidade mostrada para mobilização e organização. O pronome utilizado – “nós” em vez de “vocês” – fazem dele parte do debate que propõe aos seus pares.

Carta Capital


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