Cid Benjamin
Excelente artigo do Guilherme Boulos publicado na edição de hoje da Folha de S.Paulo.
Não tivesse sido entregue o importantíssimo Ministério da Cidades para uma figura lamentável como Gilberto Kassab, as observações de Boulos poderiam servir para um conjunto de correções na política habitacional do governo federal.
Quando, como e onde?
Guilherme Boulos
A presidenta Dilma Rousseff anunciou em seu discurso de posse a meta de financiar três milhões de moradias populares na nova etapa do programa Minha Casa Minha Vida. Até aí nada de novo. O anúncio do Minha Casa Minha Vida 3 já havia sido feito seis meses antes, em julho, com a mesma meta.
As questões são: quando, como e onde?
Quando serão liberados pelo Tesouro para a Caixa Econômica Federal os aportes da terceira etapa é uma incógnita. Principalmente pelas atitudes de uma equipe econômica que só sinaliza arrocho e nada de investimentos.
A meta de corte de R$ 66 bilhões apresentada por Joaquim Mãos-de-Tesoura para o sagrado superávit primário não é algo sem consequências. Corresponde a quase 1 milhão de moradias populares na faixa 1 do programa.
Sem mencionar o fato de que obras da segunda fase do programa tiveram atrasos de pagamento em todo o Brasil no fim de 2014 e muitas continuam atrasadas.
Neste cenário é difícil dizer quando a nova meta de moradias passará do discurso à realização.
Outra questão é como será o desenho do programa em sua terceira fase.
As duas primeiras etapas do Minha Casa Minha Vida tiveram pontos importantes: subsídio massivo para as famílias com renda inferior a R$ 1.600 (faixa 1), que não se enquadram nas regras do crédito imobiliário, e foco nesta faixa de renda a partir da segunda etapa, passando a representar 52% do total das moradias entregues.
Mas também tiveram vícios que tornam indisfarçável o objetivo-mestre do programa de injetar liquidez no setor da construção civil.
O tamanho das moradias é um deles. A Caixa paga às construtoras um valor fixo por cada unidade habitacional, que nas regiões metropolitanas é de R$ 76 mil para a faixa 1. E estabelece um mínimo de 39 m² para a casa. Se a empresa construir 39 m² receberá os R$ 76 mil, se fizer 60 m² receberá os mesmos R$ 76 mil.
Não é preciso conhecer muito a lógica de mercado para compreender que este mecanismo estimula casas menores. O tamanho e a qualidade são sacrificados para o aumento do lucro das empresas.
O MTST apresentou à presidenta uma proposta para estimular a construção de moradias maiores no Minha Casa Minha Vida 3, estabelecendo valores variáveis conforme o tamanho das moradias, além do aumento no tamanho mínimo. Isso significaria um maior controle da margem de lucro das empresas e um ganho importante para a qualidade das moradias.
Outro ponto –que toca no mesmo problema da lógica empresarial– é a gestão dos empreendimentos. A gestão direta do projeto e da obra pelos futuros beneficiários demonstrou potenciais indiscutíveis.
A modalidade Entidades do programa é a responsável pelos maiores e melhores apartamentos, com os mesmos valores pagos às construtoras. A matemática é simples: o que seria destinado ao lucro é convertido na própria obra. No entanto representou até aqui menos de 2% das moradias contratadas. Recebe menos recursos e sofre travas burocráticas dignas de um romance kafkiano.
Por fim, o onde. Embora seja o maior programa de habitação popular da história do Brasil, o Minha Casa Minha Vida reproduz o modelo da cidade do apartheid. A dinâmica imobiliária sempre empurrou os mais pobres para as periferias. Ao invés de fazer o contraponto, o programa tem reforçado esse movimento excludente.
Quem define os terrenos que serão disponibilizados são as construtoras. E tal como no caso do tamanho, a Caixa paga um valor fixo independente da localização. O resultado é previsível: as construtoras usam os seus piores terrenos e proliferam-se condomínios-guetos nos fundões urbanos.
Enfrentar este problema significa inserir o Minha Casa Minha Vida numa política urbana mais ampla. Controlar a especulação imobiliária, fazendo valer o Estatuto das Cidades e taxando progressivamente áreas ociosas e subutilizadas. Desenvolver uma política nacional de desapropriação de terrenos e edifícios urbanos ociosos, especialmente nas regiões centrais. Enfim, estimular a construção de moradias populares em regiões com maior infraestrutura, serviços e oferta de emprego.
Aliás, a especulação imobiliária sabota os próprios efeitos quantitativos do programa. Mesmo com o Minha Casa Minha Vida, o déficit habitacional cresce de forma consistente nas principais metrópoles do país. O ritmo de produção de novos sem-teto –pelo aumento de valor dos aluguéis– é maior que o de construção de novas casas.
O Minha Casa Minha Vida 3 está diante deste dilema. Ou se confirma como um programa de estímulo econômico à construção civil e aprofunda a crise urbana. Ou enfrenta com coragem o problema habitacional através de uma política de reforma urbana com participação popular. Tudo indica, pelas movimentações do governo Dilma, que esta decisão já está tomada. E será mais do mesmo para atender ao setor imobiliário.
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Guilherme Boulos, 32, é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do livro "Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto".
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