segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Ditadura do Trabalho Morto


Cada um tem que poder viver do seu trabalho, reza o princípio em vigor. Poder viver é, portanto, algo que está condicionado pelo trabalho, e não há direito à vida onde esta condição não estiver preenchida.

                      Johann Gottlieb Fichte

Fundamentos do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência, 1797.



Um cadáver domina a sociedade - o cadáver do trabalho. Todas as potências do globo estão coligadas em defesa desta dominação: o Papa e o Banco Mundial, Tony Blair e Jörg Haider, sindicatos e empresários, ecologistas alemães e socialistas franceses. Todos eles só têm uma palavra na boca: trabalho, trabalho, trabalho.


Quem ainda não desaprendeu de pensar reconhece sem dificuldade a inconsistência desta posição. Porque a sociedade dominada pelo trabalho não vive uma crise transitória, antes está chegada ao seu limite último. Na sequência da revolução microelectrónica, a produção de riqueza desligou-se cada vez mais da utilização da força de trabalho humano - numa escala até há poucas décadas apenas imaginável na ficção científica. Ninguém pode afirmar com seriedade que este processo voltará a parar, e muito menos que possa ser invertido. A venda dessa mercadoria que é a força de trabalho será no século XXI tão promissora como foi no século XX a venda de diligências. Porém, nesta sociedade, quem não consegue vender a sua força de trabalho torna-se «supérfluo» e é atirado para a lixeira social.


Quem não trabalha, não come! Este princípio cínico continua em vigor, hoje mais do que nunca, precisamente porque está a tornar-se irremediavelmente obsoleto. Trata-se de um absurdo: a sociedade, nunca como agora, que o trabalho se tornou supérfluo, se apresentou tanto como uma sociedade organizada em torno do trabalho.


Precisamente no momento em que está a morrer, o trabalho revela-se uma potência totalitária que não tolera nenhum outro deus junto de si. Dentro da vida psíquica, dentro dos poros do dia a dia, o trabalho determina o pensamento e os comportamentos. E ninguém poupa despesas para prolongar artificialmente a vida desse ídolo, o trabalho. O grito paranóico dos que clamam por «emprego» justifica até que se aumente a destruição dos recursos naturais, com resultados há muito conhecidos. Os últimos obstáculos à total comercialização de todas as relações sociais podem ser postos de lado, sem qualquer crítica, na mira de meia dúzia de miseráveis «postos de trabalho». E a ideia de que é melhor ter um trabalho «qualquer» do que não ter nenhum trabalho tornou-se uma profissão de fé universalmente exigida.


Quanto mais se torna claro que a sociedade do trabalho chegou definitivamente ao fim, mais violentamente se recalca este facto na consciência pública. Por diferentes que possam ser, porventura, os métodos de tal recalcamento, têm um denominador comum: o facto, mundialmente constatável, de o trabalho se revelar irracional enquanto fim em si mesmo, de ser algo que se tornou a si próprio obsoleto, é transformado, com a obstinação típica de um sistema delirante, em fracasso pessoal ou colectivo dos indivíduos, das empresas ou de certas «localizações» geográficas.


As limitações, que objectivamente são do próprio trabalho, devem passar por problema subjectivo dos excluídos. Enquanto para uns o desemprego se deve a reivindicações exageradas, à falta de disponibilidade ou de flexibilidade, outros acusam os «seus» gestores e políticos de incompetência, de corrupção, de ganância ou de traição a determinadas regiões. Mas, ao fim e ao cabo, toda essa gente está de acordo com o ex-presidente da Alemanha, Roman Herzog: seria preciso um «abanão» em todo o país, exactamente como se o problema fosse idêntico à falta de motivação de uma equipa de futebol ou de uma seita política. Todos devem, «de uma forma ou de outra», agarrar-se ao remo com força, mesmo que o remo tenha desaparecido há muito, e todos devem, «de uma forma ou de outra», pôr mãos à obra, mesmo que já não haja nada para fazer (ou só coisas sem sentido). O subtexto desta mensagem triste é inequívoco: aquele que, apesar da sua aplicação, não obtiver as boas graças do ídolo trabalho é responsável por essa situação, e não tem que haver problemas de consciência em abatê-lo ao activo ou pô-lo na rua.


E esta mesma lei, que dita o sacrifício do homem, vigora à escala mundial. Uns após outros, países inteiros vão sendo triturados pela engrenagem do totalitarismo económico, comprovando sempre o mesmo: pecaram contra as chamadas leis do mercado. Quem não se «adaptar» incondicionalmente e sem reservas ao curso cego da concorrência total será punido pela lógica da rentabilidade. Os que hoje são promissores serão a sucata económica de amanhã. Mas os psicóticos económicos dominantes nem por isso se deixam abalar minimamente na sua bizarra explicação do mundo. Três quartos da população mundial foram já declarados, em maior ou menor medida, lixo social. As «localizações» privilegiadas desaparecem em catadupa. Depois do desastre dos «países em vias de desenvolvimento», do Sul, e depois dessa secção da sociedade mundial do trabalho que era o capitalismo de Estado, no Leste, são os alunos exemplares da economia de mercado do Sudeste asiático que desaparecem no inferno das falências. E também na Europa alastra há muito o pânico social. Mas, na política e na gestão, os respectivos cavaleiros-da-triste-figura limitam-se a prosseguir, cada vez com mais raiva, a sua cruzada em nome do ídolo trabalho

Grupo Krisis
Manifesto contra o Trabalho I

Controvérsia 




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