Zander Navarro
Pouco mais de três décadas após a sua fundação, o Partido dos Trabalhadores (PT) ostenta a maior bancada no Congresso e mobiliza impressionante número de filiados. Sobretudo, responde por um feito extraordinário, que são os quatro mandatos presidenciais conquistados. Sua importância é inquestionável: sem a ativa presença do PT e de seus militantes, como seria a democracia em nossos dias? Que Constituição teríamos, sem a feroz ação petista na preparação da Lei Maior, sendo o conservadorismo uma das marcas pétreas do sistema político?
Mas a vida seguiu. Esboçaram-se em dois artigos anteriores (A tragédia petista, 26/10 e A tragédia petista 2, 30/11) o passado e os processos mais intestinos de sua gênese e de seu desenvolvimento, assim como as tendências recentes, incluindo sua surpreendente adesão à corrupção. A trilogia analítica é agora concluída com a pergunta desafiadora: qual o futuro do partido?
Em teoria social, elaborar previsões significa pisar no escuro, pois os humanos são um tanto imprevisíveis. A ponderação de fatores intangíveis, como os culturais, e a leitura do devir das sociedades (ou de partidos) são um exercício mais intuitivo do que científico. A lógica foge por entre os dedos. Em meio à gigantesca crise da Petrobrás, comprometendo a empresa e a economia brasileira em proporções abissais, como entender que o prestígio da presidente se mantenha elevado? Ela coordenou o conselho de administração, foi ministra e observou o aparelhamento da empresa: não teria visto a instalação dos condutos financeiros espúrios destinados aos partidos, o PT em particular? Como explicar que significativa proporção dos brasileiros não consiga estabelecer relações causais banais e imediatas em suas avaliações sobre os personagens da política e do Estado? Como interpretar que uma parte considerável de nosso povo acredite piamente que “Lula não sabia, Dilma não sabia, Graça não sabia”? Nem a melhor Sociologia do planeta explica a persistência dessas percepções sociais.
Seríamos, enfim, como insistem os antropólogos, uma sociedade caracterizada por essencialidades particularíssimas, sem comparação com outros povos. Um caldo constante de autoengano e a opção preferencial pelo pensamento mágico, misturado com um catolicismo antimoderno de fundas raízes. E nosso tamanho e insularidade adicionariam outro ingrediente: a ignorância sobre o mundo e, como forma de alívio mental ante o desconhecido, a hostilidade em relação a tudo o que não seja parte dos hábitos locais, supervalorizados em face de nosso atraso. Em síntese: uma sociedade infantil e paroquial, presa facílima para os espertalhões da política.
Como professor universitário e pesquisador, conheci de perto os três grupos sociais que principalmente formaram o campo petista. Primeiramente, os religiosos católicos influenciados pela Teologia da Libertação. Portadores de dogmas petrificados em mais de 2 mil anos, depois misturados a um marxismo primário. Conduziam a verdade absoluta sobre tudo e, quando contrariados, se recusavam ao debate que os distanciasse do engessamento dogmático que faz o catolicismo tão bem-sucedido. Mas algo inaceitável para um partido político que precisa se ajustar à mutabilidade constante da política.
Em segundo lugar, convivi (e ainda convivo) com os colegas das universidades e do mundo da pesquisa atraídos para a política. No geral, com as exceções louváveis de sempre, tem sido uma experiência melancólica, pois muitos, incrivelmente, se recusam a pensar, quando esta seria a âncora principal de sua atividade como intelectuais e cientistas. Aceitam com passividade o obscurantismo e as tortas explicações dos caciques partidários. Algum dia, quando um historiador escrever sobre as relações entre os professores universitários, os pesquisadores e o campo petista, concluirá sobre o patetismo desses anos: haverá até a filósofa que pretendeu explicar Spinoza e terminou amaldiçoando a classe média, enquanto escrevia livros de culinária.
O terceiro grupo é o dos sindicalistas. Aqui, sem outros detalhes que seriam saborosíssimos, basta um: dirigentes e militantes sindicais se movem por um só vetor, o pragmatismo deformado. Sua única razão é a prática imediata. Sendo conduzidos por uma ótica (não uma ética) estritamente do momento, as interpretações, passadas e futuras, são irrelevantes, até desprezíveis. Movem-se somente pelo presente e, por isso, jamais são progressistas. A meta é apenas garantir poder, dinheiro, influência e o mandonismo como grupo. E o pragmatismo tem um segundo preceito: para ser dominante no presente, vale qualquer meio, pois o objetivo final o justifica plenamente.
Na história do campo petista, as relações entre os religiosos, os intelectuais e os sindicalistas produziram a vitória inconteste dos últimos. Como estão amarrados ao presente, o PT jamais poderá ser de esquerda, pois esse é ideário que supõe o porvir. Por isso, o desenvolvimento do campo petista, desde meados dos anos 90, nada tem de distinto, se comparado com os demais partidos. E nem terá no futuro. Por quê? É simples: o futuro é antevisto e antecipadamente construído com exercícios sistemáticos de reflexão sobre os fatos e a produção de cenários possíveis. O PT não faz mais esse esforço estratégico há quase 20 anos nem tem mais quadros técnicos à disposição para essa operação. Rendeu-se à razão pragmática do presente, e por isso nada tem de inovador a propor, recorrendo, cada vez mais, à empulhação para justificar-se.
Não obstante a complexidade da tarefa, não é difícil, portanto, de prever o futuro do PT. Será o mesmo dos demais partidos, imersos na mesmice mistificadora que todos já conhecem. Desta forma, a pergunta passa a ser outra: algum outro campo político reavivará as esperanças dos brasileiros?
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Zander Navarro é sociólogo e professor aposentado da UFRGS.
Gramsci e o Brasil
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