Por Paulo Gleich
Tinha 15 anos quando estreou nos cinemas O rei leão. Claro que não fui assistir, para mim na época desenhos animados eram coisa de criança e tudo o que minha arrogância adolescente queria era distância da infância. Meu pai, que não é um amante da sétima arte, foi assisti-lo duas vezes, de tanto que o filme o havia tocado. Surpreendente. Não preciso dizer que isso não melhorou sua situação no julgamento ao qual meu tribunal rebelde já o submetia: onde já se viu homem feito se emocionar tanto com um desenho feito para crianças?
Vinte anos depois, aprendi com a psicanálise que infância e adultez são mais próximas do que pensava, as grandes questões da vida adulta são as mesmas que as da infância: o sexo, a morte, a filiação. A diferença é que as respostas vão ficando cada vez mais complexas, os encontros e desencontros com a vida e com o outro exigem mais trabalho para tentar compreender aquilo que não tem resposta definitiva. Nessa busca por entender os grandes enigmas, porém, às vezes acabamos nos enredando em respostas tão complicadas que podem mais atrapalhar que ajudar.
Quem tem filhos pequenos se defronta diariamente com essas pequenas grandes perguntas, enunciadas com a candura que só as crianças e os artistas conseguem ter. Não raro, os pais entram em pânico, ficando em dúvida se devem falar de flores e abelhas ou de pintos e pererecas, de anjos e estrelas ou de um fim além do qual nada se sabe. As crianças nos provocam o retorno ao confronto com a insuficiência de nossas respostas a essas questões, cuja busca impulsiona a criação na arte, na ciência, nas religiões.
No espírito de um novo ainda por nascer, cheio de perguntas e espantos em relação ao futuro, gostaria de compartilhar duas indicações de livros escritos para crianças, que recentemente li para minha criança interior. Um dos temas comuns entre eles é a tristeza, sentimento que não raro acompanha muitas pessoas nessas épocas nas quais é obrigatório ser feliz. O outro tema é o amor, que é talvez o recurso mais poderoso que temos para enfrentar as durezas e incertezas da vida.
Em A história mais triste do mundo (ed. Bolacha Maria), Mário Corso conta as penúrias de Marco, um menino que conhece a perda muito cedo, quando morre seu irmão gêmeo. Aos dez anos, é vendido por seus pais para um circo, cuja itinerância fala da busca do menino pelo lugar que perdeu quando a morte se fez presente em sua história. O abandono é apenas o começo de sua triste trajetória, recheada de perdas, reveses e medos – mas também do crescimento que essas coisas ruins podem propiciar a quem, como o protagonista, não desiste de seguir vivendo. Em tempos de felicidade compulsória, é importante lembrar que a tristeza faz parte da vida; querer poupar as crianças e a si mesmo dela, evitando falar de coisas tristes, acaba sendo mais danoso.
O paraíso são os outros ( ed. Cosac Naify), do escritor Valter Hugo Mãe, é um pequeno grande tratado filosófico sobre o amor e a vida, na voz de uma menina que tenta entender os grandes mistérios da existência. O título brinca com a máxima de Sartre “o inferno são os outros”; é nos outros que nosso desejo encontra seu limite, mas também sua possibilidade de realização. “A nossa felicidade depende de alguém”, diz a personagem, lembrando-nos de como é megalomaníaca a pretensão contemporânea de sermos felizes por nós mesmos, num delirante ideal de total desapego do outro.
Muitas histórias infantis, como estas e a do Rei Leão, se ocupam de tentar dar um contorno ficcional às perguntas que nos inquietam. Por isso falam também aos adultos, tanto àqueles que as acompanham por terem filhos, quanto aos que, como meu pai 20 anos atrás, se permitem reconhecer-se pequenos diante das grandes questões da vida. Às vezes, pode ser possível encontrar em obras de ficção destinadas às crianças respostas mais simples para os enigmas da vida, que podem ficar tão enormes a ponto de nos devorar.
Paulo Gleich é psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA); jornalista.
Sul 21
Nenhum comentário:
Postar um comentário