Alana Gandra
O conflito provocado pela ocupação de um prédio da empresa Oi por 5 mil pessoas - encerrada hoje (11) com a reintegração de posse do imóvel promovida pela Polícia Militar do Rio de Janeiro - poderia ser evitado se houvesse política urbana que garantisse a finalidade social da propriedade. De acordo com moradores, funcionava no local o almoxarifado da antiga Telerj, mas o prédio estava abandonado há cerca de dez anos e vinha se tornando ponto de consumo e venda de crack.
Para Gustavo Kloh, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, o Estado poderia ter obrigado a Oi a dar outro uso para o terreno ou ter cobrado Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo, entre outras ações. Segundo ele, a solução para o problema da falta de moradia no país passa pelo Poder Público, isto é, pelo município, pelo estado e pela União, por meio de políticas públicas, mas não há fiscalização pelo Estado brasileiro.
Terreno da operadora de telefonia Oi, na zona norte da cidade, invadido há mais de uma semana por moradores de comunidades localizadas no entorno (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Cerca de 5 mil pessoas foram retiradas de prédio da Oi no Rio de Janeiro que estava sem uso há cerca de dez anos.Tânia Rêgo/Agência Brasil
Durante a semana, moradores chegaram a pedir uma solução política às autoridades do estado para permanecer na área ocupada. A maioria decidiu ocupar o prédio por falta de moradia ou para fugir à alta dos aluguéis, que teriam disparado nas comunidades, principalmente depois dos processos de pacificação.
Kloh analisou que o objetivo daquelas pessoas era chamar a atenção das autoridades e mostrar que faltam políticas públicas de habitação. Ele informou que havia intenção de o governo municipal, anteriormente, comprar o imóvel da Oi para fazer ali um bairro popular. “Só não houve acerto quanto ao preço. A prefeitura achou que o valor pedido era excessivo”. Mas assegurou que o caminho para resolver a questão do déficit de moradias é esse: a prefeitura pega imóveis públicos ou compra terrenos, constrói os bairros e vende para a população, regularizando a situação.
Levando em conta o reconhecimento da função social do uso da propriedade, a advogada Gabriela Azevedo, do Instituto de Defensores de Direitos Humanos, disse que a organização não está vendo o caso da chamada “favela da Telerj” como uma invasão mas, sim, como ocupação. O terreno, localizado na zona norte do Rio, foi ocupado desde o início do mês por cerca de 5 mil pessoas. Gabriela avaliou que esse não é um caso comum de remoção, porque está relacionado à aproximação dos megaeventos e à necessidade de o assunto ser resolvido pelo Estado o quanto antes.
Defendendo a propriedade como valor pleno, o secretário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Carlos Roberto Schlesinger, disse que a entidade é sensível às questões fundiárias e à necessidade de se estabelecer uma política para atender às pessoas que não têm onde morar, mas alegou que o terreno não poderia ter sido invadido. “São coisas diversas. Uma questão é política e outra é de ordem jurídica, que foi quebrada”.
Para o advogado, existe uma diferença significativa entre um terreno que está abandonado de outro que não está sendo utilizado, como o caso do terreno da empresa Oi, ainda que não cumpra a função social da propriedade, princípio ligado à dignidade humana e à justiça social, e com previsão na Constituição e no Código Civil. “Uma diferença total. Até mesmo um terreno, se não estivesse sendo utilizado, do ponto de vista da legislação estrita, isso é uma prerrogativa do proprietário”.
Contrariamente às alegações dos ocupantes retirados do imóvel, o professor de mestrado e doutorado em direito da cidade da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Jorge Pereira da Mota, disse que o local invadido era uma propriedade que tinha segurança. “Não era uma área abandonada. Ela estava sem utilização, mas era murada. Tinha uma infraestrutura relativa à propriedade”.
A ocupação foi feita sem resistência, o que poderia caracterizar o abandono, mas Maurício Pereira da Mota não sabe se houve ou não conivência por parte dos funcionários que faziam a segurança das instalações existentes no terreno. “Essas coisas ocorrem de madrugada. É uma quantidade grande de pessoas; fala-se em 5 mil ocupantes. Não há como impedir. Nenhum segurança dá conta disso”.
O professor alega também que a Oi, proprietária do terreno, mesmo que tenha sido comunicada em seguida à invasão, não teve como reclamar a posse de imediato. Por isso, disse que as pessoas que ocuparam a área não têm direito à moradia no local e defendeu o uso da força policial. Destacou, porém, que quando se faz uma reintegração de posse, “você tem que usar a força dentro de uma proporcionalidade, para conseguir o objetivo; ali, degenerou em um conflito”.
Procurada pela Agência Brasil, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que participou de reunião na última terça-feira (8) para tentar encontrar uma solução para o conflito, prestando assistência jurídica aos ocupantes do prédio, disse que não se pronunciaria sobre a remoção dos moradores e a questão do direito à moradia.
Agencia Brasil
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