Quebrando tabus |
Grande parte dos consumidores usa psicoativos apenas em festas ou finais de semana. Exatamente como no caso do álcool. Grande parte dos consumidores usa psicoativos de modo controlado — especialmente em festas ou finais de semana –, mostrou estudo.
Revisão de pesquisas contesta mais um tabu proibicionista, ao revelar que, assim como no caso do álcool, pode haver consumo moderado de cocaína e ecstasy
Por Gabriela Leite
Uma das bases do proibicionismo — a crença segundo a qual não há o que fazer, em relação às drogas, exceto bani-las — é o suposto mal intrínseco das substâncias psicoativas. Seu uso resultaria inevitavelmente em vício e dependência, provocando danos severos à saúde física e mental. Não haveria hipótese de consumo controlado ou responsável. No entanto, uma revisão criteriosa das pesquisas mais recentes feitas com usuários de drogas está revelando o contrário. Sua autora é a psicóloga italiana Grazia Zuffa, da ONG Forum Droghe [Fórum Drogas].
Contando com recursos da União Europeia, ela reexaminou estudos epidemiológicos e qualitativos que abordavam, em especial, o uso da cocaína. Os resultados, surpreendentes, foram expostos num Seminário de Especialistas, em Florença (20 a 22/6/2013) e estão sintetizados num sumário produzido pelo Transnational Institute, instituto de acadêmicos ativistas que pesquisam diversas áreas do conhecimento. A ideia essencial proposta pelo texto é superar a visão do uso de drogas como doença e tratar os usuários — ao menos, a grande maioria deles — como pessoas conscientes, ativas e capazes de cuidar de sua saúde.
Ao questionar as pesquisas anteriores sobre o uso da cocaína, Grazia detaca que parte delas é meramente quantitativa. Registram a quantidade de pessoas que fizeram uso dentro de algum período. A cocaína, por exemplo, foi consumida por 2,5 milhões de jovens europeus em 2013; e ecstasy por 1,8 milhão. Houve algum aumento e baixa no uso de drogas, com o passar dos anos. Mas estes números deixam de revelar um aspecto essencial da realidade: quais destas pessoas usaram apenas uma vez; quais continuaram a consumir por algum período e pararam; quantas fizeram uso contínuo; e quantas, por final, tornaram-se dependentes?
A análise de Grazia, que leva em conta o consumo na vida, no último ano e no último mês, mostra que apenas uma pequena parcela dos jovens torna o uso das drogas regular. E, entre os que o fazem, muitos deles só mantêm por algum período da vida — durante a universidade ou na idade em que vão frequentemente a festas, por exemplo.
Conversando com os usuários de drogas estimulantes, como a cocaína e o ecstasy, percebeu-se que eles próprios têm seu sistema de autorregulação, principalmente por terem consciência dos malefícios que a droga pode causar a sua saúde. Adotam regras auto-impostas — por exemplo, usar apenas nos finais de semana, ou não usar em momentos em que não se sentem bem. Outra atitude importante é perceber quando se está abusando e dar um passo para trás, interrompendo o consumo por algum momento. Como se percebeu, drogas deste tipo estão muito mais relacionadas com fases da vida e questões individuais.
Ninguém questiona todos estes pontos ao pensar no uso do álcool, droga legalizada e fortemente encorajada pela sociedade. Grande parte dos usuários, diferente do que acontece com a cocaína, tende a fazer um uso contínuo de bebidas alcoólicas durante toda a vida, mas costumam também se autorregular, ter períodos de uso mais e menos intenso, ou mesmo abstinência. É fácil reconhecer a diferença entre alguém que bebe socialmente e um alcoólatra; mas o uso de drogas ilegais é quase sempre visto como patológico. Uma mudança nessa visão seria, para os pesquisadores, muito necessária no combate aos riscos das drogas sem moralismo e distante da crença absurda de que a proibição irá acabar com seu uso.
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