A Vala Comum da Insignificãncia
Ademir Alves de Melo*
Afirmo, reiteradamente, sem medo de erra: Antônio Mariz foi o último estadista da Paraíba. Foi um homem de estatura intelectual, humanística, política e moral como poucos que este estado já gerou. Demonstrava extraordinária capacidade de trabalho, mesmo quando o organismo fraquejava e negava-lhe energias físicas, consumido como estava por uma enfermidade silenciosa, agressiva e implacável. Ainda assim, hauria forças - não se sabe de onde - para seguir adiante com a sua missão histórica.
Tive a feliz oportunidade de acompanhá-lo - ao lado de outro grande homem, Ronald Queiroz - como assessor econômico pós-campanha. Todos os dias úteis, após as eleições, nos reuníamos em um Comitê situado à Av. Epitácio Pessoa, das 9:00h. às 13:00h. Mas nem sempre os compromissos permitiam que os encontros de trabalhos fossem neste horário.
Mariz era um homem de trato fino, delicado, fala entrecortada herdada dos Maia, olhar sereno, firme e conciso, e objetivo e pouco loquaz nas questões apresentadas. Esperava do interlocutor a mesma sistemática nas respostas. Tinha ojeriza a bajuladores, por considerar esta maneira de ser do indivíduo uma alternativa maquinada para a competência, seriedade e eficiência nos compromissos, que não combinam com o perfil de um adulador. Se a rudeza no trato com as pessoas não fazia parte de seu proceder habitual, tampouco perdoava o descumprimento eficiente e eficaz de responsabilidades conferidas aos seus auxiliares. Em tais situações, repreendia o faltante de tal maneira que este se sentia lisonjeado em ser por ele admoestado.
Os seus auxiliares imediatos foram escolhidos criteriosamente, segundo a competência técnica e o perfil político e moral. Escolheu como Chefe da Casa Civil o professor Ronald Queiroz, uma das mais notáveis inteligências do Estado, ex-Chefe de Gabinete do Ministro Celso Furtado. Os seu secretariado foi montado tendo como requisito primeiro o perfil profissional adequado para o posto a ocupar. E nenhum secretário foi nomeado sob pressão, pois, se assim ocorresse a algum aventureiro, não seria aceito para compor a equipe de governo em qualquer posto.
Mariz teve o particular interesse em montar uma competente equipe profissional de comunicação, pois sabia ele a importância que tinha de informar a sociedade sobre as ações de governo. Aliás, até mesmo Chacrinha sabia disso, ao repetir o seu jargão rotineiro: “Quem não se comunica se trumbica”.
Contou-nos um dia Mariz, reservadamente mas sem pedir segredo, que foi talvez o único senador da República a quem o embaixador dos Estados Unidos pedira audiência, pois, desde sempre, o inverso é que era a norma, no beija-mão nos salões da Embaixada. O enviado de Tio Sam foi ao gabinete do senador para, dissimuladamente, pressioná-lo para que logo emitisse o seu parecer como relator que era do projeto de Lei das Patentes. Enquanto esteve no Senado, não emitiu o seu parecer, concordante com os superiores interesses nacionais, à espera de condições políticas propícias aos seus propósitos. Licenciou-se do Senado para assumir a candidatura vitoriosa ao governo do Estado. Menos de um mês depois, a Lei de Patentes tramitou, celeremente, no Senado, vindo a ser aprovada, conforme os interesses do capital internacional. O relator deste projeto de lei foi o senador Ney Suassuna.
Infelizmente, Mariz sequer chegou a por em prática as suas primeiras medidas de política governamental, pois na quebra de braço com a agressiva doença, esta saiu vencedora.
Mariz deixou esta vida para ganhar a eternidade, respeitado como homem público de caráter que foi. Antônio Mariz não traía compromissos assumidos e, muitos menos, companheiros de primeira hora para favorecer a oportunistas.
Mariz está entre aqueles imprescindíveis definidos por Bertold Brecht, os que lutam toda a vida. Outros passam pela vida, e não a vivem na sua plenitude. São espectros de homens que cedo caem no esquecimento social. Saem da vida e são sepultados na vala comum da insignificância.
* Professor doutor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB
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