O mais impopular
O presidente da França, François Hollande, conseguiu. Era um páreo duro, pois havia concorrentes de peso como Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac, mas o socialista conseguiu. Com 18% de aprovação, ele se tornou o presidente mais impopular da história da Quinta República, esse período republicano francês que começa em 1958.
A princípio, tal fato poderia ser apenas uma curiosidade hexagonal. No entanto, ele é um sintoma que expressa o desconforto com uma patologia maior a acometer a esquerda mundial, a saber, o transformismo.
Ninguém esperava de Hollande uma segunda Revolução Francesa com direito a enforcamento da nova nobreza encastelada no sistema financeiro. Afinal, antes de eleito, ele havia garantido aos investidores da City inglesa: "I'm not dangerous" (eu não sou perigoso, em inglês). Talvez poucos se tenham dado conta de como a social-democracia encontrara há anos seu grau zero.
Suas políticas econômicas não têm nada, mas absolutamente nada a oferecer de diferente em relação às receitas vigentes de "austeridade". A mesma ladainha a respeito da diminuição do "custo do trabalho" e dos "gastos públicos" (ou seja, precarização do trabalho, menores salários e bancos com lucros recordes).
A função dos partidos sociais-democratas resume-se, atualmente, a desmontar o sistema de seguridade social que eles próprios construíram há décadas, isso por meio de um reformismo infinito que parece terminar só na autoimolação dos trabalhadores.
Mas a inovação maior de Hollande –já que essa miséria do pensamento econômico de uma certa esquerda é vista desde, ao menos, os anos 90– foi a incorporação, sem complexos, dos temas mais racistas e xenófobos da direita europeia.
Prova disso é a nomeação de seu novo primeiro-ministro, o senhor Manuel Valls, alguém que como ministro do Interior era exímio patrocinador das milenares tradições da caça aos ciganos, um verdadeiro marco do Iluminismo. Seu discurso securitário, exaltador dos "valores nacionais" e brutalizado fez dele alguém muito mais popular entre os eleitores de direita do que aqueles de esquerda. Foi a ele que Hollande recorreu depois de ter levado uma das maiores surras eleitorais na eleição municipal de semanas atrás.
Com esse mimetismo ideológico e essa prova de ausência completa de ideário próprio, os eleitores franceses se perguntam por que não entrar logo com os dois pés na direita do tipo Front National (frente nacional, em francês), não por acaso o partido que mais cresce atualmente. Tudo isso demonstra que nada pior do que uma esquerda que tem medo de dizer seu nome.
Folha SP
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