Sim, é verdade, a direita saiu do armário. Perdeu o medo e a vergonha de exibir-se à luz do dia. Por conveniência e estratégia de combate político, os ditos "conservadores nos costumes e liberais em economia" aliam-se às bancadas do boi, da bala e da Bíblia.
No campo cultural, escudados no discurso "politicamente incorreto", por um lado esbravejam vitupérios, expelem platitudes, vomitam sarcasmos. Por outro, travestidos de pudicos guardiões da moral e dos bons costumes, apontam o dedo censório, invocam preconceitos, cultivam ódios primários.
De um modo e de outro, semeiam ignorâncias e manobram frustrações coletivas, transformando-as em combustível para a animosidade e o rancor em massa. Como são ruidosos, municiados com suas bombas semióticas, aparentam estar levando a melhor na batalha pela opinião pública.
Entretanto isso não significa que tenham passado a constituir, hoje em dia, uma supremacia avassaladora e sem volta. A sensação de que fomos tragados por uma onda retrógrada, um tsunami irremediável, precisa ser analisada com forte senso de urgência, mas sem derrotismos prévios.
Três pesquisas recentes do Datafolha, divulgadas nas últimas duas semanas, merecem ser lidas com a devida atenção. Na primeira delas, noticiada às vésperas do Natal, constatou-se que a maioria absoluta dos paulistas é favorável à manutenção da gratuidade das universidades estaduais, como USP, Unicamp e Unesp.
Entre os jovens de 16 a 24 anos, o índice dos que se posicionam a favor do ensino superior gratuito nesses centros de excelência acadêmica chega a 70%. No momento em que a universidade pública sofre uma campanha de desmoralização em todo o país, alvo de ofensivas policialescas e conduções coercitivas contra reitores e professores, o resultado é significativo.
Uma segunda pesquisa, divulgada cinco dias depois da primeira, indica que nada menos de 70% dos entrevistados são contrários às privatizações indiscriminadas. Apenas 20% se declararam a favor de que as empresas públicas sejam vendidas a rodo para a iniciativa privada, enquanto os 10% restantes são indiferentes ou não souberam responder. Entre os jovens, 68% não acreditam na tal "mão invisível" como panaceia para todos os nossos males históricos.
A terceira pesquisa, enfim, publicada no penúltimo dia do ano, aponta o crescimento do apoio à descriminalização do aborto entre os brasileiros. Nesse caso, 61% dos entrevistados se disseram favoráveis à interrupção da gravidez quando há risco de morte para a mãe.
Outros 53%, segundo o Datafolha, também defendem o direito ao aborto para mulheres vítimas de estupro, ao contrário do que querem os conservadores aboletados no Congresso Nacional. Mais uma vez, um detalhe salta à vista: a maior parcela dos que defendem a descriminalização do aborto é composta por jovens entre 16 e 24 anos.
Ou seja: a juventude não foi acometida por um surto regressista no âmbito das convicções e do comportamento, como muitos querem nos fazer acreditar. Na verdade, toda a estridência dos tais "conservadores nos costumes e liberais em economia" –uma forma pretensamente descolada de definir, por vezes, o reacionarismo mais tosco e empedernido– representa uma reação a conquistas humanas irrevogáveis.
Hoje, por exemplo, é impossível querer deter o curso da história e barrar o imenso avanço palmilhado e construído, ao longo das últimas décadas, pelo movimento negro, pelo ativismo feminista, pela consciência ecológica e pela militância LGBTQ.
Há um território, porém, no qual os conservadores parecem mesmo estar levando ampla vantagem. Uma quarta pesquisa, divulgada por esta Folha em pleno Natal e realizada pela empresa de monitoramento Zeeng, mostrou que o pré-candidato Jair Bolsonaro é o político brasileiro líder em estatísticas nas redes sociais, computados os números de seguidores no Facebook, interações no Twitter e curtidas no Instagram.
Não há dúvidas, portanto, de que uma guerra de símbolos está em curso. Uma refrega que, sordidamente, não dispensa Exércitos de robôs virtuais, perfis falsos e troladores profissionais. Sim, é verdade, eles são barulhentos. Mas estão longe de ser a maioria. Eles, sim, são a verdadeira "minoria ruidosa".
Sobreviveremos a 2018. Feliz ano novo!
Folha SP
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