segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Os idiotas têm culpa de serem idiotas?

Se você é um jovem eleitor de candidato que defende a tortura, e acredita estar certo apenas porque é muito doloroso tomar a decisão de não pertencer mais ao lugar (e aos ideais) de onde veio, acredite em mim: existem raciocínios melhores te esperando para além do já conhecido e aconchegante jantar reacionário de todos os dias. 

Tati Bernardi

Semana passada estive na maravilhosa e necessária exposição "Histórias da Sexualidade, que ainda está rolando no Masp (aproveitando pra ver Tunga e Guerrilla Girls, ambos ótimos) e postei algumas fotos no meu Instagram. Uma espécie de "cristaleira de sortidas, artesanais e coloridas pirocas" causou bastante ojeriza e, em menos de cinco horas, entre desconhecidos que me mandaram queimar no inferno e outros que me avisaram que fui hackeada, perdi mais de 400 seguidores. Daí você vai dizer "ah, não fica triste, sorte sua, já vão tarde", mas vejam: não é disso que se trata, realmente não me interessam puritanos, eu tô é assustada com o número de emigrantes virtuais e seus motivos, principalmente quando pensamos nas eleições e no Bolsonaro.



Minutos depois, vi uma amiga querida reclamando, na mesma rede social, que a foto do seu lindo bebê peladinho, brincando no seu balde-ofurô com o irmãozinho, foi apagada "mediante o conteúdo". Que conteúdo? Pra começar, desde quando dois irmãozinhos pequenos tomando banho é alguma outra coisa além de uma coisa maravilhosa?



Tenho a impressão de que o país foi invadido pela imensa caravana de uma cidade gigantesca chamada ignorância. E a gente pensando, poucos anos atrás, que a estrada desse fértil campo de intolerâncias e falta de leitura não estava tão escandalosamente interligada a nossa realidade. Abriram um armário fedendo naftalina e de lá saíram milhões de zumbis fardados e travados sexualmente.



Mas será que os jovens que aumentam esse coro de atrasos têm culpa e merecem ser tão escrotizados nas redes sociais pela galera mais "nascida em berço culto"? Me pergunto isso porque visitei ontem, de coração aberto (mentira, fui arrastada) alguns parentes queridos (mentira, não curto a maioria) que vivem um pouco diferente de mim (galera que faz gato da Net) e lá estavam as avós e tios e pais e vizinhos que repetem insistentemente, enquanto comem degustando tudo de forma agressiva, as frases "isso é pouca vergonha", "tem que meter porrada mesmo", "é lésbica, mas não se mete com a gente, então a gente não se mete com ela", "artista que mama nas tetas", "Caetano não presta", "ditadura não existiu" e por aí vai. E vi, talvez porque aprendemos a (e ao que) amar com quem nos ama (e a odiar também) alguns primos, tão novinhos, tão "boa gente" (aqui tô sendo sincera) ressoarem essas barbaridades, orgulhosos, sem se darem conta do que diziam.



Torço para que as universidades, os melhores professores, a turma mais culta e interessante do trabalho, os bons amigos, os livros transformadores, os filmes que nos elevam, as viagens que nos ensinam mais do que a rota para os outlets, as parcerias amorosas que valem a pena, a terapia, a solidão formadora de caráter, façam por esses jovens o que fizeram por mim (ao lado da minha mãe que sempre foi muito inteligente e progressista, que sorte!). Todo mundo tem um parente que fala merda, mas alguns adolescentes vivem numa casa com dez pessoas que são esse parente. Como sobreviver? O que o país pode fazer para resgatá-los? 

Se você é um jovem eleitor de candidato que defende a tortura, e acredita estar certo apenas porque é muito doloroso tomar a decisão de não pertencer mais ao lugar (e aos ideais) de onde veio, acredite em mim: existem raciocínios melhores te esperando para além do já conhecido e aconchegante jantar reacionário de todos os dias.


Folha SP


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