Marcos Fuchs e Henrique Apolinário
Estabelecido pela Constituição de 1988, o indulto é prerrogativa da presidência da República. Por esse instrumento, pode-se conceder perdão ou comutação de pena a pessoas privadas de liberdade. Em um país com grave distorções no sistema prisional, o indulto torna-se uma política humanitária com possibilidade de corrigir injustiças e desproporcionalidades, sem viés político-partidário.
Os dados mais atualizados sobre o sistema prisional foram divulgados em novembro passado e trazem um retrato estarrecedor do encarceramento em massa. De acordo com o Ministério da Justiça, em junho de 2016 o Brasil atingiu a marca de terceiro país com maior população prisional do mundo, com quase 727 mil presos. O aumento em relação à série histórica é vertiginoso e segue tendência de alta.
O indulto publicado em dezembro pela presidência da República representou um avanço em relação às demandas de setores e grupos que conhecem de perto a realidade das prisões. Pela primeira vez, o decreto incluiu, de maneira efetiva, homens condenados por tráfico de drogas, réus primários e sem ligação com organização criminosa, desde que tenham cumprido ao menos um quarto da pena.
As mulheres também foram contempladas sob os mesmos critérios, desde que tenham cumprido um sexto da pena, repetindo medida já adotada para o dia das mães de 2017. O texto da presidência segue o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito do chamado “tráfico privilegiado”, desvinculando esse crime do rol daqueles considerados hediondos — não passíveis, portanto ao indulto.
O tráfico de drogas é um dos fatores apontados por transformar o sistema carcerário brasileiro em uma bomba relógio, susceptível a violações, condições degradantes e frequentes episódios de violência, como os que chocaram o país um ano atrás no norte do país ou as mortes recentes que ocorreram em Goiás nesta primeira semana do ano. Cerca de 28% dos presos hoje respondem por tráfico de drogas e, no caso das mulheres, esse índice chega a 62%. Essas pessoas são, em sua maioria, negras e pobres das periferias, exploradas pelas redes de tráfico.
Diante da repercussão negativa, que relacionava o texto do indulto aos presos da operação Lava Jato, a Procuradoria Geral da República questionou alguns benefícios do decreto, o que levou a uma decisão liminar da Ministra Carmen Lúcia, atendendendo os argumentos da PGR, num efeito dominó levou a um recuo do Planalto. O argumento principal é que, além de desproporcional, este indulto fere a separação de poderes e estimula a impunidade. Ora, o indulto é instrumento previsto em Constituição como prerrogativa exclusiva do Executivo, pelo que é perfeitamente constitucional. O que causa espanto é o STF ignorar a situação dos presídios, essa sim escandalosamente contrária ao princípio da dignidade humana definida pela Carta Magna.
O episódio é ilustrativo do senso de emergência populista com que se faz política penal e penitenciária no país. Medidas emergenciais, simbólicas, são levadas a cabo sem qualquer estudo de efetividade ou efeito sobre seus supostos alvos. No fim das contas, a medida recai silenciosa contra milhares de presos, meros números que crescem a cada ano.
Marcos Fuchs – diretor da Conectas Direitos Humanos
Henrique Apolinário – advogado da Conectas e membro do CNPCT
JOTA
Os dados mais atualizados sobre o sistema prisional foram divulgados em novembro passado e trazem um retrato estarrecedor do encarceramento em massa. De acordo com o Ministério da Justiça, em junho de 2016 o Brasil atingiu a marca de terceiro país com maior população prisional do mundo, com quase 727 mil presos. O aumento em relação à série histórica é vertiginoso e segue tendência de alta.
O indulto publicado em dezembro pela presidência da República representou um avanço em relação às demandas de setores e grupos que conhecem de perto a realidade das prisões. Pela primeira vez, o decreto incluiu, de maneira efetiva, homens condenados por tráfico de drogas, réus primários e sem ligação com organização criminosa, desde que tenham cumprido ao menos um quarto da pena.
As mulheres também foram contempladas sob os mesmos critérios, desde que tenham cumprido um sexto da pena, repetindo medida já adotada para o dia das mães de 2017. O texto da presidência segue o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito do chamado “tráfico privilegiado”, desvinculando esse crime do rol daqueles considerados hediondos — não passíveis, portanto ao indulto.
O tráfico de drogas é um dos fatores apontados por transformar o sistema carcerário brasileiro em uma bomba relógio, susceptível a violações, condições degradantes e frequentes episódios de violência, como os que chocaram o país um ano atrás no norte do país ou as mortes recentes que ocorreram em Goiás nesta primeira semana do ano. Cerca de 28% dos presos hoje respondem por tráfico de drogas e, no caso das mulheres, esse índice chega a 62%. Essas pessoas são, em sua maioria, negras e pobres das periferias, exploradas pelas redes de tráfico.
Diante da repercussão negativa, que relacionava o texto do indulto aos presos da operação Lava Jato, a Procuradoria Geral da República questionou alguns benefícios do decreto, o que levou a uma decisão liminar da Ministra Carmen Lúcia, atendendendo os argumentos da PGR, num efeito dominó levou a um recuo do Planalto. O argumento principal é que, além de desproporcional, este indulto fere a separação de poderes e estimula a impunidade. Ora, o indulto é instrumento previsto em Constituição como prerrogativa exclusiva do Executivo, pelo que é perfeitamente constitucional. O que causa espanto é o STF ignorar a situação dos presídios, essa sim escandalosamente contrária ao princípio da dignidade humana definida pela Carta Magna.
O episódio é ilustrativo do senso de emergência populista com que se faz política penal e penitenciária no país. Medidas emergenciais, simbólicas, são levadas a cabo sem qualquer estudo de efetividade ou efeito sobre seus supostos alvos. No fim das contas, a medida recai silenciosa contra milhares de presos, meros números que crescem a cada ano.
Marcos Fuchs – diretor da Conectas Direitos Humanos
Henrique Apolinário – advogado da Conectas e membro do CNPCT
JOTA
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