quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Estupros, assédios, investidas e paqueras

Contardo Calligaris

Esta é só uma contribuição à discussão entre as mulheres de #MeToo e as mulheres (francesas e não) para quem investidas e paqueras, por desagradáveis que sejam, devem ser preservadas, sem confundi-las com assédios ou estupros.

Não há como diferenciar estupros, assédios, investidas e paqueras catalogando vários comportamentos. No primeiro ano de ensino médio, minha classe aturou um camarada que, sentado na última fileira, mostrava e masturbava seu pênis, gozando duas ou três vezes por dia. Talvez o espetáculo fosse "engraçado" para algumas e alguns, mas era traumático para outras e outros. Ainda hoje, não sei se, para mim, a experiência foi só risível.



No outro extremo do leque, uma mão que se pousa carinhosamente sobre um braço pode valer como verdadeira chicotada moral (basta que seja a mão abusiva de um superior, tio, padrasto). Tentemos, então, diferenciar abusos, paqueras etc. do lado dos perpetradores.



A bibliografia sobre a psicologia do estuprador é contraditória, mas um primeiro fato é indiscutível: o verdadeiro estuprador não age por excesso de desejo ou por frustração ("a quero tanto que não me aguento").



Estuprador propriamente é quem não está atrás de sexo ou atrás daquela mulher que deseja. O estuprador gosta da própria violência que ele exerce sobre sua vítima. O gozo do meu camarada do ensino médio era o nosso constrangimento, e só.



Poucos são estupradores nesse sentido restrito, mas muitos homens são capazes de violência sexual, assédio etc. No que esses seriam diferentes dos estupradores?



Com um pletismógrafo (instrumento que mede variações de volume no pênis), a pesquisa clássica de Barbaree & Marshall, "Journal of Consulting and Clinical Psychology", 59 (5), 621-630 (Revista de Consultoria e Psicologia Clínica), mostrou que, na ampla maioria dos homens, a visão de cenas de violência sexual corta o embalo pela metade.



A mesma experiência entre estupradores condenados descobriu que as cenas de violência sexual só excitavam 10% dos detentos.



Convenhamos, então: há uma minoria, inclusive de estupradores condenados, que gozam da própria violência de seus atos.



E os outros? A perspectiva desses é seu prazer sexual e ainda mais, paradoxalmente, o das mulheres que violentam. Esses (que são a maioria) são pedagogos de araque: imaginam que vão forçar a vítima a se dar conta de que, contrariamente ao que ela grita, ela "adora" aquilo (a violência que lhe é imposta).



Antes de ser violentos, são idiotas e convencidos de seu extraordinário poder de seduzir uma mulher, inclusive à força –"à força", no caso, significa, contra as resistências que ela mostra e das quais ela será grata de ser liberada. Essa convicção está na maioria dos homens por causa de suas mães –dica para as mães que queiram diminuir a idiotice masculina: parem de se extasiar com tudo que seus meninos fazem.



Nas pesquisas de um volume também clássico, Prenky e Vernon ed., "Human Sexual Aggression: Current Perspectives", "Annals of the New York Academy of Sciences", 1998 (Agressão Sexual Humana: Perspectivas Atuais, Anais da Academia de Ciências de Nova York) aparecia que 25% dos estupradores eram presos porque, após o estupro, tentavam se relacionar sentimentalmente com as vítimas, convencidos de que elas os amariam justamente por ter descoberto sei lá o quê graças a eles.



Ou seja, poucos homens são estupradores no sentido que gozam de sua própria violência. Mas muitos podem estuprar por idiotice –porque acham que a mulher vai gostar.



Em suma, os homens podem ser estupradores ou idiotas. Os idiotas também podem estuprar, mas não por gosto: eles acreditam que a mulher precisa dessa "força" para descobrir enfim o que ela sempre quis.



Entendo a irritação de muitas mulheres com a carta das francesas em defesa da paquera e da investida: há uma boa chance de que esse discurso mantenha a maioria dos homens na sua perigosa idiotice.



Agora, se você acha que essa história toda é picuinha, reconsidere. O patriarcado, a falta de paridade, a idiotice das investidas e a brutalidade dos estupros são apenas sintomas: a doença é que nossa cultura, há 3.000 anos (desde as histórias de Eva e de Pandora), é fundada no ódio à mulher, como encarnação do mal e voz tentadora do demônio.



Se isso mudasse, seria uma transformação cultural como nenhuma outra que vi. E uma que adoraria ver.



Folha

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