quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Jaldes Meneses: A hegemonia como contrato


Acabei de escrever, neste exato momento, uma curta apresentação para um livro meu de ensaios, que chamar-se-á "A hegemonia como contrato - ensaios sobre política e história". Agora segue para revisão e finalmente prelo.

Apresentação

Os ensaios que compõem este livro foram escritos e publicados em diferentes ocasiões, entre 2004 e 2017. O primeiro ensaio, “Gramsci e a Revolução Russa”, que abre o livro, é inédito.

Embora distintos e lidos em qualquer ordem, a minha pretensão de autor dos ensaios é costurar uma unidade temática implícita a partir de um fio condutor interno, cuja síntese se expressa no título do terceiro ensaio, “A hegemonia como contrato”. Conceber a hegemonia como um contrato não é uma abordagem assente nem resolvida em teoria política e história. Na tradição canônica da filosofia política, hegemonia e contrato atendem a tradições distintas, vistas em geral como enfoques antagônicos, o realismo político e o contratualismo, moderno ou contemporâneo. A ideia do livro origina-se de um insight enunciado e não desenvolvido como projeto sistemático pelo marxista brasileiro Carlos Nelson Coutinho, falecido em 2012. Penso que a problemática seja importante para lançar luzes na relação entre democracia e socialismo e na noção gramsciana do “Estado ampliado” no capitalismo.



Em paralelo está em causa também o lugar da política e do Estado nas questões do socialismo e da transição para o comunismo. Passado o século XX e as experiências de socialismo - especialmente a experiência da União Soviética - já não é suficiente a resposta padrão de Marx no século XIX. Em virtude do conteúdo antiutópico e politicamente realista de sua teoria, o Mouro tinha o cuidado de explicar, a quem lhe pedia os contornos da sociedade do futuro, que ele estava muito distante da intenção de formular um projeto “ideal", à maneira, por exemplo - para citar um nome ilustre -, dos falanstérios de Charles Fourier. O objeto de Marx em fazer a crítica da economia política era vasculhar cientificamente a ordem capitalista. Em seu tempo, a visada realista de Marx era uma resposta mais que suficiente. Após um século de Revolução Russa, a repetição da resposta de Marx mais se assemelha ao pedido de assinatura de um cheque em branco. É preciso dizer, desde hoje, o que se vai fazer com o Estado e a sociedade na transição. Para tanto, empreender o balanço das experiências do socialismo no século XX é fundamental.



Lenin sintetiza numa bela frase ser preciso ensinar a cozinheira a governar o Estado. Em Gramsci, o comunismo chamava-se “sociedade regulada”. A sociedade civil deveria assumir as funções do Estado. Era o próprio Estado transformado e virado pelo avesso. Assim, a questão da transição ao comunismo não era bem a extinção do Estado, como se lê nos clássicos do marxismo, mas a transferência das funções de Estado para a sociedade civil. Não é suficiente, portanto, fazer apenas a crítica negativa do Estado (“o mais frio e cruel dos monstros”, nas sábias palavras de Nietzsche), como muitos fizeram ou vêm fazendo. Mas, enfim, enfrentar o desafio mais complexo e difícil - trazer “a” política” para “o” político.



Na sequência dos ensaios mais densos, compõem o livro dois pequenos artigos de intervenção em questões na ordem do dia, um sobre a reforma trabalhista, já consumada no governo Temer, e o segundo sobre a montagem de um novo Estado de Exceção, perigos da hora tanto no Brasil como no mundo. Escritos com o intuito da polêmica da hora, as referências, nos artigos de intervenção, não seguem o padrão da citação acadêmica. Por fim, publico duas entrevistas com dois eminentes cientistas sociais contemporâneos, Boaventura de Sousa Santos e Francisco de Oliveira.



Quero registrar minha gratidão aos amigos, especialmente os alunos, com os quais interagi sobre os temas de que trato nestes escritos. São que tantos que não vou citá-los por risco de omissão. Este diálogo é sempre uma forma de “outrar”, no verbo inventado por Fernando Pessoa. Por isso, adoro esta passagem de Brecht: “eu pensava dentro de outras cabeças; e na sua, outros, além dele, pensavam. Este é o verdadeiro conhecimento.”



João Pessoa, 17 de janeiro de 2017

Jaldes Meneses

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