Tem ouvido de respeitáveis analistas da política brasileira a tese de que decisão judicial não se discute, tem de ser respeitada, em relação à rejeição do recurso do Presidente LULA na TRF4, em Porto Alegre. Com todo o apreço que tenho pela opinião desses analistas, é preciso dizer que, desde o golpe parlamentar que afastou a ex-presidente Dilma do Poder, navegamos num mar de incertezas e inseguranças jurídicas muito grande. Que o digam os professores de Direito Constitucional ou Direito do Trabalho. Eles não sabem o que ensinar aos seus alunos.
Na verdade, esses comentadores e apoiadores incondicionais da Justiça esquecem-se de um coisa muito importante: a relação entre Direito e Política, que varia muito de país a país. O nosso sistema judiciário é aquilo que se chama de "alopoiético", ou seja, não tem autonomia. 'É suscetível da interferência político-partidária. É como se o magistrado primeiro decide, ao sabor de determinadas conveniências ou interesses sociais, depois busca a dogmática para apoiar o seu julgamento. E há clientes e clientes da burocracia judiciária. Por isso, o tratamento é diferente. Pior é o chamado "ativismo judiciário", que faz dos juízes legisladores não autorizados pelo voto popular. Falou-se no fenômeno da "judicialização da política", como um fenômeno mais ou menos universal, em razão da decadência e ineficiência dos Parlamentos.
Mas o caso do Brasil tem suas particularidades. A fragilidade, para não dizer subserviência, do Poder Judiciário diante dos Poderes "de fato" tem sido uma constante em nosso país. A famosa tese de João Mangabeira "o STF foi quem mais traiu a República", em momentos de crise institucional, funciona como um autêntico diagnóstico dessa triste trajetória da Justiça brasileira. Quando não se submeteram ao arbítrio e a ilegitimidade, foram cassados, expurgados da magistratura. O pior é que o "ativismo judiciário" tem dado lugar ao "partidarismo aberto" dos magistrados, que vestem ostensivamente a camisa desse ou daquele partido. Juízes que fazem uma espécie de "advocacia administrativa" em suas cortes, realizando fora reuniões e conciliábulos com as partes. Tivemos um péssimo exemplo na decisão que levou o STF a devolver ao Congresso a prerrogativa de prender ou não Aécio Neves.
Como confiar assim num Poder tão suscetível de se dobrar a contingências políticas e partidárias? – A não ser quando as decisões vêm ao encontro de nossas preferências. Ai, sim, há de ser cumprida a decisão. Quando contraria, não. São os democratas de ocasião. Cumpre-se a lei, quando convém. Diante disso, falar de segurança jurídica ou respeito à decisão judicial é uma atitude pouco crítica ou ingênua. Há muito tempo que a sociologia jurídica desmistificou os mecanismos da chamada "decisão judicial". Não tem nada de misterioso ou sagrado a tomada de decisão de um juiz ou ministro da suprema corte. Como dizia Nietzsche, a verdade ou a justiça é desse mundo e há de ser compreendida como tal, ou seja, como mero imperativo de poder não como justificação racional ou argumentativa.
Faria bem aos adoradores do Poder Judicial uma leitura do livro de Von Ihering, "A Luta pelo Direito", ou quem sabe do livro de Bobbio "A era dos Direitos". Desde a crise do jusnaturalismo, se sabe que o Direito é uma construção discursiva a serviço, muitas vezes, de imperativos de Poder. Não o produto imaculado de alguma cabeça togada. O direito nasce da "autopoiesis" criadora dos movimentos sociais. Depois se institucionaliza num código, numa tábua, numa constituição. O direito muda, quando mudam as condições sociais, políticas e econômicas de uma sociedade.
Por isso, nada de estranhar que a oitiva turma do TRF4 tenha unanimemente rejeitado o recurso da defesa de LULA. Já tinham, antes mesmo dos argumentos da defesa, a decisão a ser tomada. E inovaram, segundo os especialistas. "Criaram" uma nova jurisprudência: "autoridade cognitiva do Juiz", diante da falta de provas.
OS. A propósito, leia-se o recente livro de Douglas Alexandre carvalho. Imagens da imparcialidade. Entre o discurso constitucional e a prática judicial.
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