sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Michel Zaidan Filho: O drama da classe média
Segundo Aristóteles, a classe média é a salvação da democracia. Para ele, ela atenuava a desigualdade social. Quando maior fosse, impedia que uma pequena minoria fosse muito rica; e a grande maioria pobre. Ou seja, quando mais extensa ela fosse, mais o risco de um desequilíbrio social seria evitado. Este sábio pensamento do estarigita poderia ter evitado a corrupção da democracia ateniense e o advento dos demagogos e tiranos na ágora de Atenas. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Caiu a democracia, Atenas tornou-se imperialista e foi derrotada por Esparta.
No resto do mundo, quando se fala em “classe média” é o terceiro Estado, o povo e a burguesia, ou num estrato da população que é conhecido como trabalhadores de “colarinho branco”, para se diferenciar do marrom dos macacões dos operários da indústria. Nos EE.UUs. onde se tem notícia da maior classe média do planeta, esta classe costuma ser a âncora do capitalismo (e da economia de mercado) e da democracia americana. Para onde for a classe, vai o regime político dos “Yanques”, que se gabam de ter um regime político estável em razão da força de sua classe média, enquanto consumidora e eleitora.
No Brasil, entretanto, as coisas são muito diferentes. A única vez que esses setores tiveram a veleidade de se revoltarem contra o regime, exigindo mais participação na economia e na política, foi na Velha República, com o “Tenentismo”. De lá para cá, o aparelho de Estado cresceu tanto que absorveu o protesto da classe média, dando a cada um de seus membros um emprego público ou cargo. Por isso, que há aqueles que definem a Revolução de 1930 como uma revolução dos setores médios (Hélio Jaguaribe, Virgílio Santa Rosa).
O drama da classe média no Brasil começa pela sua classificação sociológica: “classe média” ou “Classes médias”. “classe” ou “categoria social”. Setores médios? “Classe média baixa”, “classe média média”, “classe média alta”? Uma nova “classe média” criada no governo petista? – Afinal, como conceituar esse extrato da população brasileira? – (nesse aspecto, as teses de Décio Soares procurou trazer uma contribuição ao debate do estatuto teórico da classe média).
Mas há uma constatação inevitável, de 1964 em diante essas “classes” passaram a ter um comportamento político conservador, de direita; servindo muitas vezes de mera massa de manobra de regimes autoritários: quem não se lembra das passeatas com Padre Peyton, com Deus, pela família e pela liberdade? Ou do Integralismo? Ou da TFP? – Inegavelmente, as manifestações políticas das “classes médias” no Brasil têm sido conservadoras, a favor da ordem (ou do que entendem por ordem). A razão disso está em que esses setores são atravessados por uma forte ambiguidade: não são aceitos pelo andar de cima da sociedade, embora os invejem e desejem conquistar o seu “status”, e nem querem se parecer com os do andar de baixo, temem o fantasma da “proletarização”. Cada vez que há uma movimentação social no andar de baixo, “as classes médias” reagem de forma conspirativa, apoiando partidos, discursos e movimentos de direita e de extrema-direita. Pensam ingenuamente que apoiando a espada ou a cruz, estarão protegidas da “proletarização”. Não sabem que a sua função política é ser mera “bucha de canhão”, para a defesa dos privilégios dos mais ricos e das grandes empresas. Fazem o trabalho sujo para os outros, e no final não ganham nada.
Esse modelo foi estudado por Marx, no “Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte”. Só que no caso da França, o papel de “classe-apoio” para os aventureiros e candidatos a ditadores foi desempenhado pelos “camponeses”, iludidos com a saga da família Bonaparte. Apoiaram a eleição de um aventureiro, que se tornou imperador da França, que no frigir dos ovos foi fazer a política das finanças e da alta burguesia francesa. E os camponeses, continuaram endividados.
Esse modelo de análise de aplica como uma luva ao caso brasileiro. Aqui, a chamada “classe-apoio” é a classe média. Que, depois da revolução de 1930, viu aparecer um novo ator político: a classe operária e seus partidos, cortejada pelos políticos urbanos. A classe média ficou de escanteio. Com inveja dos ricos e com ódio dos pobres. Seu imaginário é o “American way life”: mandar os filhos para a Disneylândia, fazer compras na Flórida e tirar fotos no Central Park. Coitados! Tem vergonha de ser brasileiros, mas não de trazerem “muambas” dos EE.UUs. ou emigrar para lá, para limpar latrinas e tapetes de americanos gordos e mal-educados. É essa classe – já denominada de “vaqueira”, por um filósofo – que confunde o acesso a bens de consumo duráveis com cidadania. Mas não passa de um “Brucutu” urbano, sem educação, civilidade, noção de direitos etc. Comporta-se como “vaca de presépio” nas manifestações de rua contra a democracia, sem se dar conta da manipulação política que sofrem dos meios de comunicação de massas.
O Brasil não está só caminhando para Cristo, como dizem os evangélicos neopentecostais, está avançando a passos largos para o fascismo verde-amarelo, condimentado pelos preconceitos de classe, de gênero, de orientação sexual.
Precisamos reagir diante dessa catástrofe que ameaça desabar sobre as nossas vidas.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Postado por José Luiz Gomes às 13:11
Blog do jolugue
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