Rene Carvalho
A conjuntura política gira em torno das eleições de 2018, mas poucos se arriscariam a afirmar que elas serão democráticas. A dúvida, legítima, tem origem no contexto institucional e político em que se realizarão. Em termos micro: a reforma política aprovada no congresso reforçou a capacidade de reeleição dos atuais deputados: os recursos do fundo partidário e a propaganda gratuita vão se concentrar nas principais lideranças atuais e seus apanaiguados.
As “emendas parlamentares” liberadas pelo governo para compra de votos reforçarão a posição dos candidatos dos clãs municipais e regionais. Votar em projetos que são desaprovados por dois terços ou mais dos habitantes, apoiar um governo desmoralizado, não deixar um presidente reconhecidamente corrupto ser investigado podem não levar à rejeição do candidato: se ele se apresenta como apolítico, se a mídia não informa como votou e se puder se gabar de estar á origem de hospital, escola ou estrada inaugurada recentemente. Em resumo: infelizmente para o país, o próximo parlamento não será muito diferente do atual. Pouco representativo do que pensa a população. E eticamente desmoralizado.
Em termos macro: a mídia tem partido e candidatos e está disposta a continuar manipulando notícias para beneficiá-los. A Justiça sofre grande influência do aparelhamento político que a envolveu e também está disposta a influir no processo eleitoral, eliminando ou enfraquecendo candidatos com denúncias e condenações muitas vezes infundadas.
Dessa forma, o que está em jogo nessas eleições é a derrota ou a legitimação da pauta golpista aplicada por Temer e desse despropósito institucional que se instalou a partir do processo de impeachment. O fim de uma situação em que a pauta econômica é determinada pela elite financeira, sem consulta à população, o Judiciário intervém continuamente na política e o executivo-congresso, desmoralizados, obedecem enquanto puderem desviar recursos públicos.
É difícil pensar que, dispondo de tanto poder, mídia e grupos encastelados no Judiciário deixarão facilmente que se volte à normalidade democrática. Em termos concretos, as alternativas atuais são: ou o início de um processo complexo e difícil de volta à normalidade democrática ou a continuidade da trajetória em curso de degradação da situação econômica, politização e partidarização das instituições públicas, estado de exceção, crescimento da pobreza e da miséria e degradação moral da política.
Os cenários eleitorais são assim principalmente determinados pela relação das candidaturas com o sistema econômico e institucional implantado pelo golpe civil. Se derrotados nas eleições os golpistas usarão de todos os meios para dificultar um governo que busque a volta à normalidade democrática. Uma derrota dos golpistas só pode ser entendida, assim como início de um longo processo de recomposição democrática e social. Ainda mais difícil num país com a economia destroçada.
Podemos pensar em três cenários possíveis para as eleições: o de uma vitória oposicionista, a de um candidato meio “centrista”‘ em relação ao golpe e de um candidato com origem nas forças golpistas.
O primeiro cenário seria o de uma vitória oposicionista. Sua principal bandeira seria a do plebiscito revogatório e a busca da volta à normalidade democrática. O referendo não envolve apenas o corte de gastos, e sim o cerne da política econômica golpista. Abrir-se-ia uma conjuntura de enfrentamento com o golpismo e de busca da recuperação democrática. Seria uma luta difícil, pois sem maioria parlamentar e sofrendo constantes ataques da mídia e da justiça partidarizada. A resposta golpista, penso, será a de tentar implantar o semi-presidencialismo. As chances de se avançar nesse cenário, dependerão, sobretudo do tamanho da vitória eleitoral e, sobretudo do grau de consistência de uma frente desenvolvimentista e de recuperação democrática.
Assistiríamos a um enfrentamento, provavelmente longo entre o vitorioso nas eleições e a institucionalidade pós-golpe. Mesmo uma larga vitória eleitoral não seria acompanhada, como vimos acima, de uma maioria parlamentar confortável. Mídia e Judiciário, partidarizados continuariam tendo forte ingerência na ação política.
A evolução de um possível governo oposicionista sofre gradações a partir do candidato eleito. Num país onde a população é pouco organizada, o prestígio popular do eleito é seu trunfo principal. Não é possível comparar a capacidade de ação política de Lula com a de possíveis substitutos como Vagner ou Haddad. Ou a de Ciro Gomes.
Difícil pensar um governo oposicionista que nesse contexto não seja obrigado a negociar com dissidências golpistas e outros mais em busca de composição política. A questão central, no entanto, é a do referendo revogatório. Sem esse referendo, não há a mínima possibilidade de governar. Penso ser essa a principal linha divisória entre as candidaturas progressistas. Não sei se Vagner ou Haddad teriam força para tanto, nem se Ciro está compromissado com ele. O status quo, além de sabotar permanentemente a ação governamental, apostaria provavelmente na adoção do semipresidencialismo ou seja, na manutenção da centralidade política de um congresso desmoralizado e continuidade da regência judicial e midiática.
Um segundo cenário seria a eleição de um candidato pouco crítico ao golpismo, como Marina ou mesmo Joaquinzão. Candidatos que apesar de críticas pontuais ficam em cima do muro em termos da quebra da legalidade constitucional e defendem muito ou parte da agenda golpista. Mas cujos eleitores, em sua maior parte querem o fim disso que aí está. Essa ambiguidade central levaria rapidamente a uma crise política aberta. Sem base partidária expressiva e sem ruptura com os golpistas, são governos que iriam, penso rapidamente à desmoralização. Com efeito, compor com os ruralistas para ter maioria parlamentar e negociar com uma maioria de deputados corrompidos seria enterrar as duas principais bandeiras de Marina – ambientalismo e nova política. Compor com o parlamento seria a desmoralização do Joaquinzão. O isolamento de seus governos seria relativamente rápido e veríamos de novo o semipresidencialismo ou a chegada de um “salvador da pátria”.
Último cenário: a vitória de um candidato vinculado ao golpe. Visto de hoje, isso só seria possível em eleições francamente manipuladas. É difícil pensar, além disso, que uma vitória de Alckmin, por exemplo, permitiria uma recomposição institucional ou mesmo um caminho centrista de governo. A maioria da câmara continuará sendo corrupta e seu apoio dependera da continuidade [se o preço não subir] do toma lá, dá cá. Sua dívida com os grupos que dominam o judiciário e a mídia será portentosa: sem seu apoio ostensivo dificilmente teria vencido as eleições.
Apenas uma retomada efetiva da economia permitiria certo grau de autonomia ao grupo do novo presidente no contexto dos golpistas. Mas, mesmo se ocorrer, a brisa econômica terá muitos pais. Pois não seria Alckmin quem teria indicado o novo ministro da fazenda. Veremos apenas cada vez mais do que estamos vendo há três anos: uma política econômica austericida, mais privatizações, o fim da universidade gratuita, maior informalização do mercado de trabalho, entrega do patrimônio público e crescimento da pobreza.
A eleição de Bolsonaro poderia ser um quarto cenário? Penso que seu objetivo é, sobretudo ampliar a visibilidade política da extrema direita, propagar sua agenda e ampliar sua bancada. Terá possivelmente – como outros que vicejam nesse extremo, uma votação expressiva. Mas não acredito em possibilidade de eleição.
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