quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Emendas parlamentares são espécie de 'fraude oficial' na Justiça eleitoral


Jânio de Freitas

Os R$ 10 bilhões que Michel Temer vai liberar para indicações de deputados têm a finalidade divulgada pelo governo e uma segunda, de efeitos mais importantes, nunca mencionada. A primeira é a compra de votos na Câmara para tentar a aprovação do remendo na Previdência. A velha chantagem do "é dando que se recebe". A segunda é uma interferência nas eleições. Digamos, uma "fraude oficial", a primeira das fraudes que haverá na compra de cabos eleitorais e de votos, nas verbas partidárias e contribuições embolsadas e, claro, nas contabilidades para a Justiça Eleitoral.


O mecanismo é simples. A quota financeira liberada para um deputado pelo Tesouro Nacional, seguindo indicação de nome e montante pela Presidência, corresponde a uma proposta do parlamentar incluída no Orçamento da União, a chamada emenda. No Estado e no município recebedores, a liberação é festejada como vitória do deputado. Passa a ser a bandeira, ou uma delas, na propaganda do parlamentar. Assim é pelo país afora.



Em ano eleitoral, como 2018, esse mecanismo é um trunfo, com frequência decisivo, do parlamentar contra os concorrentes não agraciados pelo governo. Sobretudo contra os novos. E, portanto, contra a renovação do Congresso.



Os pacotões do "é dando que se recebe" são alvos costumeiros de repulsas fortes. Não o atual, porque está vendido à imprensa como recurso para a "reforma" da Previdência. Mas sua aceitação é também a do despejo antecipado e camuflado de R$ 10 bilhões na disputa eleitoral, favorecendo deputados (mal) escolhidos. E quando ações eleitorais ainda estão proibidas.



Diante dessa "fraude oficial", inabordável pela Justiça Eleitoral e efetivada com dinheiro público –o mesmo cortado para saúde, educação, saneamento, ciência, segurança– a palavra fraude hostilizada é a que se encaminha para as 200 mil assinaturas em seu apoio, como peça-chave do documento "Eleição sem Lula é fraude". Reduzida entre nós a mínimas notícias, essa argumentação está divulgada e assinada no exterior por intelectuais, artistas e professores (calma, de todos os gêneros, sim) com nomes expressivos.



Substituir a palavra é uma possibilidade para os desagrados. O que as evidências, em número enorme, não admitem a sério é negar que a ausência forçada de Lula na eleição presidencial resultaria de um processo em que não faltaram anomalias judiciais, arbitrariedades acobertadas pela alta hierarquia do Judiciário e do Ministério Público e uma campanha de opinião como poucas foram vistas. São fatos e ficaram com sua comprovação registrada para dirimir nossas divergências e para a história.



Tais fatores terminaram por fazer, acima dos processos judiciais, um processo político. Agora mesmo, Sergio Moro e seu grupo de procuradores dispensam-se de mandar à perícia a nova leva de recibos que exigiram. "É claro que são falsos." Mas a obrigação é mandar ao teste pericial. O que está usado na condenação é mero palpite, a denotar um tratamento que não é dado a outros processos e investigados. E se o dono do apartamento vizinho de Lula recebeu aluguéis e não os declarou ao Imposto de Renda, precisando negá-los? Plausível, a hipótese não foi investigada, por incompatível com a pretensiosa opinião do juiz e dos procuradores.



Ninguém pode negar que seja no mínimo suspeita a condução desse caso tão brasileiro, por suas afinidades judiciais, políticas e social-elitistas com o passado de nossas instituições ditas republicanas. E já, mal começado o ano eleitoral, com R$ 10 bilhões a contribuírem para sua continuidade, tais como são.


Folha SP


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