Por
mais que os críticos digam que o andamento de toda a Operação Lava Jato tenha
o objetivo de atingir o Governo Dilma e o PT, que ocorreram eventuais abusos
na legalidade das prisões e nos acordos de delação, que as provas dos vários
crimes praticados nem sempre são consistentes ou mesmo que tem ocorrido o
“vazamento” seletivo de informações para a imprensa, fato é que a denominada
Operação Lava Jato, nas suas várias fases e etapas, já pode ser considerada,
na história republicana, a mais importante e mais eficiente ação das
instituições do Estado para punir operadores privados, altos funcionários
públicos, políticos e grandes empresários envolvidos num esquema de corrupção
enormemente danoso ao povo brasileiro.
Já se
pode dizer, por exemplo, que nunca antes neste país se chegaram a pegar, como
agora, agentes corruptores tão poderosos como os executivos e donos das
principais empreiteiras brasileiras, entre as quais Odebrecht, Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, UTC, Galvão Engenharia e
Engevix. Isso sem contar a condenação judicial de ex-altos executivos da
Petrobrás favorecidos com fabulosas propinas e doleiros utilizados nos
esquemas de lavagem do dinheiro, obtido em contratos fraudulentos e
superfaturados. E sem contar também que o processo pode alcançar ainda alguns
dirigentes partidários e parlamentares de várias siglas, já citados como
beneficiados com o dinheiro desviado da Petrobras.
Enfim,
para um país acostumado com escândalos que terminam em “pizza” e que são
simplesmente engavetados, abafados ou arquivados nos escaninhos dos órgãos
públicos e do Congresso Nacional, a Operação Lava Jato é uma grande novidade,
na medida em que algumas prisões preventivas, previstas na lei, foram
efetivas e não rapidamente relaxadas; na medida em que o instituto da delação
(colaboração) de criminosos confessos trouxe à luz muitos elementos para a
validação processual; e na medida em que o Judiciário não se acovardou diante
de réus poderosos e aplicou, em tempo recorde e sem delongas, sentenças
pertinentes aos crimes praticados.
É claro
que a chiadeira dos envolvidos e de seus círculos de relações e de
influências (o dinheiro compra muito apoio) tenta o tempo todo invalidar e
desqualificar o andamento do processo, o qual, a bem da verdade, não se sabe
até onde vai e qual grupo econômico ou político, partido ou personalidade,
será o mais atingido. Vale lembrar que a operação começou com a prisão de
vários doleiros em março de 2014 (Carlos Habib Chater, Nelma Kodama, Raul
Srour e Alberto Youssef), que estavam sendo investigados por lavagem de
dinheiro, e de Paulo Roberto Costa, o primeiro ex-diretor da Petrobras
envolvido no esquema de corrupção e de organização criminosa. Até então se
tratava de mais um caso corriqueiro de crime comum de propina entre empresa
privada e funcionários públicos – sem o envolvimento de políticos, partidos e
campanhas eleitorais.
Na
medida em que a força-tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal ampliou as investigações, no Brasil e na Suíça, com a decisiva
atuação da Justiça Federal, a operação ganhou uma dimensão sem precedentes,
com o envolvimento de várias empresas, inúmeras pessoas e diversas conexões,
inclusive com esquemas partidários e de financiamentos eleitorais. Desde
então, a grande imprensa comercial e conservadora procurou explorar o
escândalo para atingir o governo, prejudicar a campanha de reeleição de Dilma
Rousseff e desgastar o PT, que é um dos partidos, mas não o único, citado nos
autos do processo como destinatário de parte das propinas pagas pelas
empreiteiras nas obras superfaturadas da Petrobras.
No
entanto, apesar do direcionamento do noticiário da grande imprensa burguesa
visar o governo federal e o PT, o saldo concreto da Operação Lava Jato em
termos de investigações, prisões, inquéritos, processos judiciais e de
condenações, atingiu duramente até agora muito mais os operadores do esquema
(doleiros), os corrompidos (altos funcionários da Petrobras) e principalmente
os corruptores (empresários e executivos de empreiteiras) do que os
personagens da política.
Basta
ver que no âmbito da Operação Lava Jato, sediada em Curitiba, no Paraná,
foram abertas 28 ações penais contra 125 pessoas e mais cinco ações de
improbidade contra 13 empresas. Até agora, foram condenados e denunciados
mais de dez doleiros e seus auxiliares, pelo menos cinco ex-dirigentes da
Petrobras e mais de vinte grandes empresários. É claro que ainda falta levar
adiante todas as denúncias contra 48 políticos e parlamentares que têm foro
privilegiado no Supremo Tribunal Federal.
Aprendizado
O
desenrolar da operação indica que muitos policiais, procuradores e juízes
aprenderam bastante com as inúmeras tentativas de combate aos esquemas de
corrupção realizadas desde o fim da Ditadura Militar e que terminaram
frustradas pela ação espúria do próprio Judiciário e de deputados e senadores
no âmbito do Congresso Nacional. Vale lembrar, entre tantos, os casos das
operações Banestado, Castelo de Areia e Satiagraha, todos com o envolvimento
de empresários, políticos, doleiros e/ou especialistas na lavagem de
dinheiro.
A
operação Banestado (2003) identificou milhares de remessas financeiras
clandestinas e de contas bancárias no exterior, principalmente nos Estados
Unidos, operadas por doleiros para encobrir os crimes de sonegação fiscal,
evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A relação dos envolvidos incluía
grandes empresários, políticos de vários partidos, autoridades e criminosos
de vários calibres, desde narcotraficantes, contrabandistas e até bicheiros.
O caso gerou inúmeros inquéritos e uma CPI mista no Congresso Nacional
(2004), que decidiu esconder os documentos enviados por bancos e pela Justiça
dos Estados Unidos. Os maiores figurões envolvidos jamais foram punidos.
A
Operação Satiagraha (2008) identificou o esquema de sonegação fiscal, evasão
de divisas e de lavagem de dinheiro montado pelo Banco Opportunity, o qual
contava com 83 empresas de fachada, tinha uma clientela de elite com forte
influência nos poderes da República. As disputas internas da Polícia Federal,
o desinteresse da grande imprensa, os conchavos entre políticos e a
conivência do Judiciário (especialmente do STF) demoliram o escândalo sem que
os criminosos tenham sido julgados e condenados.
A
operação Castelo de Areia (2009) identificou o esquema de sonegação fiscal,
evasão de divisas e de pagamento de propinas a políticos montado pela construtora
Camargo Corrêa, na qual alguns diretores criaram e operavam pelo menos três
empresas de fachada. Depois da ação da Polícia Federal e da denúncia na
imprensa, o caso morreu nos tribunais superiores sem que os empresários e
doleiros tenham sido julgados e condenados. A grande imprensa também não se
interessou em explorar o escândalo da construtora, uma empresa que sempre
financiou os projetos da direita brasileira, desde a Ditadura Militar.
Tais
casos sinalizaram para a sociedade que dificilmente as instituições da
República levariam aos tribunais e colocariam atrás das grades os poderosos
empresários e os grandes figurões da política. A descrença da população nas
instituições – Polícia, Ministério Público, Judiciário, Parlamento – não é
uma fantasia ou uma percepção vazia, mas uma dedução real baseada nos fatos,
nos acontecimentos, na verdade histórica. Todas as pesquisas revelam que essa
descrença continua forte, está presente ainda hoje na nossa visão do Brasil.
Da
mesma forma, os trabalhadores, os militantes sociais e da esquerda brasileira
sabem – de longa data – que o Poder Judiciário sempre teve uma postura
classista, sempre atuou na defesa das classes dominantes, dos empresários e
do capital. Não é de hoje que o direito de propriedade, para a maioria dos
juízes e das cortes, está sempre acima das demandas coletivas e dos demais
direitos sociais – como o direito ao trabalho, à moradia, à alimentação, à
saúde e à educação. A Justiça brasileira, com raríssimas exceções, sempre
criminalizou os movimentos sociais populares, os mais pobres e os negros.
A
Operação Lava Jato não muda esse quadro nefasto enraizado na estrutura de
poder. Ninguém pode dizer que essa operação vai acabar com a corrupção no
país e criar mecanismos seguros de proteção dos cofres públicos. Ninguém em
sã consciência pode afirmar que a Polícia Federal, o Ministério Público e a
Justiça Federal são da confiança do povo e merecem integral credibilidade.
No
entanto, já é possível dizer, pelos resultados concretos apresentados até agora,
que a Operação Lava Jato deu um grande salto de qualidade no combate à
impunidade – em especial nos crimes reiteradamente praticados por ricos e
poderosos nas suas relações promíscuas com o Estado e a máquina pública. Uma
prova disso é, sim, a prisão e a condenação de poderosos empresários. A outra
prova é o resgate de milhões de reais surrupiados da Petrobras e devolvidos
ao patrimônio público.
Estratégia
Aparentemente,
a Operação Lava Jato só conseguiu deslanchar e dar seguidos passos firmes
porque adotou tática bem elaborada e planejou ações com muito cuidado,
levando em consideração inclusive as falhas e os equívocos das operações
passadas que morreram na praia. É de se observar, por exemplo, que a
integração entre equipes de investigação e julgamento funciona adequadamente;
que a vontade das equipes para enfrentar todas as barreiras tem sido muito
forte; que a separação entre o que compete à primeira instância e o que deve
ser levado às instâncias superiores garantiu, até agora, que o processo não
fosse melado, apesar de todas as torcidas para que isso aconteça.
Além
disso, chama a atenção o fato de que os principais desdobramentos da operação
foram montados em absoluto sigilo e só tornados públicos – diligências
policiais, prisões e a revelação de documentos obtidos na Suíça – no momento
desejado. Até os chamados “vazamentos seletivos” de informações parecem
funcionar como elementos de dissimulação e de atração ao mesmo tempo, na
medida em que mantêm a grande imprensa conservadora ligada aos acontecimentos,
mesmo quando os mais atingidos são seus eternos aliados e protegidos das
classes dominantes.
O
desenrolar da operação jogou uma cortina de fumaça na luta política entre
situação e oposição, na medida em que ambos os campos tiveram membros envolvidos
no esquema da Petrobras. Por isso mesmo as reações são as mais
desencontradas. Os petistas e governistas passaram a criticar a operação
porque acharam que o partido e o governo eram os principais alvos. Outros
partidos da base do governo, como o PP e o PMDB, adotaram a postura esperta
de dizer publicamente que apoiam a apuração, negam envolvimento e prometem
banir eventuais culpados em suas fileiras.
As
oposições de centro e de direita (PSDB, PPS, PTB, PR, PRB, PSD, DEM) tentam
se livrar da carapuça, dizem defender a investigação, mesmo que tenham
membros citados nas delações, inquéritos e processos. As oposições de
esquerda aparentemente concordam com a investigação, criticam a corrupção
típica do sistema, mas adotam postura contida sobre a força-tarefa da Lava
Jato, inclusive porque ninguém sabe se essa operação fortalece ou não a atual
investida de direita.
As
piores posições, no entanto, foram até agora a da presidente Dilma Rousseff,
que criticou o instituto da delação (colaboração) premiada, mecanismo de lei
sancionada por ela própria; a do ex-presidente Lula, que não diz claramente o
que pensa dos desdobramentos da operação, mas nos encontros fechados do PT
acirra as bases partidárias contra as investigações e encaminhamentos da
força-tarefa; e a do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, do PMDB,
que, após ter sido citado em delação de empresário, passou a atacar
ferozmente o governo federal, o Palácio do Planalto, o Ministério Público, a
Justiça Federal e a própria lei da delação premiada. Ou seja, até agora
Dilma, Lula e Eduardo Cunha foram os que mais deram tiros nos próprios pés.
É claro
que a Operação Lava Jato navega num oceano agitado pela crise econômica, que
está corroendo rapidamente todo o cacife acumulado nos 12 anos de governos
petistas; num momento em que a própria presidente e seu partido sofrem forte
desgaste político, por conta da campanha eleitoral de 2014, quando fizeram
discurso mais sintonizado no campo progressista, e antes mesmo da posse já
tinham aderido ao programa da austeridade neoliberal, com um ministério
majoritariamente conservador; e também porque as demandas da sociedade se
avolumam (moradia, reforma agrária, transportes públicos, ensino gratuito,
creches, empregos) diante da inércia, a insensibilidade e a incompetência
governamental.
Evidentemente,
a Operação Lava Jato não teria causado maiores desgastes ao governo Dilma se
a presidente, desde o início, tivesse mantido uma posição firme em defesa de
toda a apuração, do combate inequívoco à corrupção e da luta contra a
impunidade, que, no fundo, é também uma luta contra as desigualdades
existentes na sociedade. Já o presidente Lula, que nos últimos anos andou de
mãos dadas com o pessoal da Camargo Corrêa e da Odebrecht, não tem como se
desvencilhar agora das relações e amizades cultivadas por interesses
recíprocos; por isso mesmo não tem como evitar o desgaste pessoal e nem
impedir que esse desgaste atinja duramente o PT. Está pagando o ônus de suas
escolhas políticas e de seus negócios particulares.
O
baralhamento da situação provocada pela Lava Jato é tão grande que fica
difícil dizer que o alvo da operação seja mesmo o governo Dilma e o PT, já
que nas investigações policiais e nas denúncias encaminhadas ao STF estão
dezenas de políticos de diversos partidos e notórios picaretas como Collor de
Mello (PTB), Ciro Nogueira (PP), Edson Lobão (PMDB) e Renan Calheiros (PMDB).
Afinal,
interessa ou não ao povo brasileiro que tais políticos, juntamente com
doleiros, empreiteiros e funcionários públicos corruptos, sejam devidamente
punidos por seus crimes? Interessa ou não testemunhar que as instituições do
Estado – Polícia, Ministério Público e Justiça Federal – conseguem agir de
forma republicana e aplicar as leis aos ricos e poderosos? Interessa ou não
registrar que a luta contra a impunidade deu alguns passos à frente?
A
torcida maior, com certeza, é que a coisa toda não acabe em “pizza”, e muito
menos que o combate à corrupção sirva de pretexto para a direita golpear
ainda mais as classes trabalhadoras e o povo brasileiro. Cabe às forças
progressistas, aos movimentos sociais populares e às organizações de
esquerdas se unirem, conquistarem as ruas e, no embate político, assumirem o
papel de protagonistas na construção de um novo Brasil – justo e igualitário,
livre, democrático e socialista! E, claro, sem esquemas de corrupção!
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