Reis Virtuosos, F. Brennand |
Extrato de: A Invenção do Nordeste e outras artes
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Tanto o trabalho teatral como o literário de Ariano Suassuna também se voltam para a construção do Nordeste como um espaço tradicional. Um Nordeste construído a partir de uma visão sacramental da memória, onde “uma aristocracia rude e as pessoas simples conviviam com o temporal e o atemporal, num mesmo plano de interesses particulares e imediatos”.
Para Suassuna, o tempo é uma dimensão da morte, que, ao lado da fome, da sede, das doenças, da nudez, do sofrimento, do acaso, do infortúnio e da necessidade, destruía a região que buscava preservar em seu trabalho. Nordeste que tinha como maior insígnia,como brasão, a morte. Uma morte selvagem, mãe de todos.
O Nordeste de Ariano, ao contrario do freyreano, é o nordeste sertanejo, do “reino encantado do sertão”. Sua obra se volta para afirmar este espaço como o verdadeiro Nordeste, onde também existia”nobreza”, não existiam “só profetas broncos e desequilibrados e cangaceiros sujos e cruéis”. Nobreza comparável à que floresceu na civilização do açúcar, mas “sem as cavilações e as afetações dos ioiôs e sinhazinhas”. Um “reino”bruto, despojado e pobre, com quem o autor se identifica e a partir do qual produz a sua obra, motivo de sua existência, motivo de sua epopéia e a de seus heróis pobres e extraviados.
Na sua luta contra a história, Ariano constrói o Nordeste como o reino dos mitos, do domínio do atemporal, do sagrado, da indiferenciação entre natureza e sociedade. Lançando mão do gênero epopeico, das estruturas narrativas míticas e, principalmente, das estruturas narrativas e do realismo mágico da literatura de cordel, Ariano inventa seu Nordeste, “ reino embandeirado, épico e sagrado”. Um espaço sertanejo, inventado a partir da vivência do autor na cidade, do agenciamento de lembranças e reminiscências de infância e de uma grande quantidade de matérias de expressão populares. Um espaço ainda não desencantado, não dessacralizado, um reino dos mistérios, onde o maravilhoso se mistura à mais cruel realidade e lhe dá sentido.
Um Nordeste que se liga diretamente ao passado medieval da Península Ibérica. Um Nordeste barroco, anti-renascentista, antimoderno. A dizibilidade do Nordeste, a linguagem para expressa-lo deve ser buscada, pois, em formas teatrais ibéricas medievais, bem como nas formas populares, na tradição popular que guardaria muitas destas formas “arcaicas”. A obra de Ariano reafirma o uso das formas narrativas do cordel com forma de dizer esta região do país. Forma adequada para se “representar” um espaço onde não existiriam fronteiras entre o real e o imaginário, entre o sentimental e o antipoético; entre o divino e o pagão; entre o trágico e o cômico; entre a loucura e a razão.
Embora com obras muito diferentes, estes autores e artistas têm em comum o fato de serem construtores de um Nordeste, cujas visibilidade e dizibilidade estão centradas na memória, na reação ao moderno, na busca do passado como dimensão temporal; assinaladas positivamente em sua relação com o presente.
Este Nordeste é uma máquina imagético-discursiva que combate a autonomia, a inventividade e apóia a rotina e a submissão, mesmo que esta rotina não seja o objetivo explícito, consciente de seus autores, ela é uma maquinaria discursiva que tenta evitar que os homens se apropriem de sua história, que a façam, mas sim que vivam uma história pronta, já feita pelos outros, pelos antigos; que se ache “natural” viver sempre da mesma forma as mesmas injustiças, misérias e discriminações. Se o passado é melhor que o presente e ele é a melhor promessa de futuro, caberia a todos se baterem pela volta dos antigos territórios esfacelados pela história.
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