terça-feira, 18 de agosto de 2015
Theotonio: Teoria econômica e políticas econômicas
Theotonio dos Santos
Muitos governos eleitos se encontram subjugados aos seus bancos centrais, sob o pretexto de que são instituições independentes, acima das práticas “imorais” dos políticos. Por “política” deve-se entender eleições e participação dos povos que são os principais atingidos pelas decisões e ações “políticas” destes bancos. É assim a forma como interesses absolutamente minoritários da população comandam a economia mundial e conseguem obrigar as grandes maiorias a subjugar-se à ditadura tecnocrática chamada bancos centrais “independentes”.
A missão destas instituições é transferir, sob as mais diversas formas, massas colossais de riqueza para o “mercado” financeiro . Trata-se de uma expropriação dos recursos obtidos pelos mais diversas tipos de receitas fiscais para transferi-los para o sistema financeiro sob os mais incríveis pretextos e as mais inventivas formas.
É estranho observar como esta modalidade violenta de capitalismo de Estado se realiza sob um ambiente ideológico dominado pelos princípios doutrinários do neoliberalismo, apoiando-se sempre na famosa frase da sra. Thatcher de que “não existe alternativa”. Trata-se de uma expressão de determinismo econômico que se torna até ridícula quando vemos a realidade histórica que se busca descrever por estes pretensos instrumentos científicos. Já afirmamos várias vezes que este aparelho ideológico espetacular se parece extremamente com o mundo intelectual católico fundado na escolástica tomista que dominou por muitos séculos a economia feudal europeia e que dispunha de tremendos poderes estatais e religiosos para torturar e mesmo condenar à morte os “hereges”, representantes da nova onda filosófica e científica comandada pelas burguesias em expansão material e financeira.
Deve ficar claro, contudo, que o reino do capital financeiro não tem nada a ver com a fantasia ideológica “neoliberal” que pretende estabelecer o equilíbrio fiscal, monetário e cambial através do “livre mercado”. O mundo jamais viveu desequilíbrios tão colossais como nesta nova fase de direção das finanças e das politicas macroeconômicas através dos bancos centrais independentes.
Todos sabemos que não existe um livre mercado no mundo contemporâneo dominado pelos monopólios privados e inclusive estatais. E todos sabemos desde os anos 60 do século XX um desequilíbrio permanente do centro hegemônico da economia mundial, os Estados Unidos, conduziu a um deficit comercial e também financeiro que terminaria levando este pais a uma crise colossal e um endividamento impossível de ser superado(1).
No caso do Brasil, estas transferências têm uma forma absurda: o Estado brasileiro lançou e ainda lança no mercado financeiro títulos de dívidas não porque tenha dívidas (pois há mais de 20 anos que o Brasil tem superavit fiscal e portanto não tem dívidas na gestão primária de seu orçamento). Na verdade, o governo brasileiro desde os anos 1994 lança títulos de dívida não para atender às necessidades de sua população e cumprir os objetivos do Estado. Sabemos mesmo que, ao definir a função do Estado, não há nenhum teórico da corrente neoliberal que inclua entre os deveres do Estado lançar títulos de dívida com altas taxas de juros sem ter nenhuma dívida que advenha dos chamados “fins” do Estado.
Na verdade, a colossal dívida pública atual do Brasil foi iniciada em 1994 quando devíamos US$ 56 bilhões e chegada ao seu ponto mais alto de mais de R$ 800 bilhões nas vésperas da eleição de Lula como presidente da República É importante ressaltar que, de maneira mais moderada, Lula continuou a politica de juros altos mantendo a emissão de títulos da dívida federal para pagar os juros da dívida que foi construída sobre o nada com o único objetivo de transferir recursos para a minoria que vive destes juros inexplicáveis.
É necessário assinalar que estes enormes recursos públicos passados para o setor privado e semipúblico não foram usados para nenhum investimento produtivo e sim para a especulação num mercado financeiro cada vez mais distante da economia produtiva e portanto cada vez mais próximo de uma grande crise econômica, social e política. Agreguemos a estas crises a elaboração doentia de um discurso capaz de defender esta politica irracional com seus efeitos morais desmoralizantes para o pensamento social brasileiro.
Faz-se necessário portanto uma terrível manipulação intelectual há muito tempo praticadas no nosso país: fazer dívidas públicas e pagar por elas altas taxas de juros por razões macroeconômicas e não para pagar dívidas públicas inexistentes. Outros Estados nacionais esconderam seus objetivos de servir ao capital financeiro (isto é, ao 1% que possui mais de 50% da riqueza mundial). Por exemplo, os Estados Unidos transferiram o equivalente à metade do seu PIB para os seus bancos e agentes financeiros durante a crise de 2008 sob o pretexto de que era necessário ajudar os clientes destes bancos afetados pela especulação e a crise financeira e sobretudo era necessário salvar as agencias financeiras afetadas pela crise porque eles eram instituições demasiado grandes para permitir-se que entrassem em falência. As consequências destas falências afetariam a todos…
No Brasil inventaram-se duas vergonhosas desculpas para enriquecer o nosso 1% de nossa população e portanto os donos do nosso país, sendo uma grande parte deles empresas subsidiárias de capitais de propriedade de corporações transnacionais do centro do sistema mundial. Vejamos a situação gerada nos últimos 20 anos em consequência destas políticas indefensáveis:
1) quando estávamos com excedentes de dólares durante a primeira década dos anos 2000, devido ao aumento colossal de nossas exportações, considerou-se de bom alvitre favorecer mais entrada de dinheiro no pais atraindo capitais do exterior com os altos juros pagos pelo Estado brasileiro.
2) Quando se baixou a taxa de juros paga pelo Estado para em torno de 6%, durante os anos 2010-2012, se inventou uma ameaça de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos que nunca ocorreu. Segundo estas “previsões” seria o fim da entrada de capitais internacionais no Brasil, e portanto deveríamos impreterivelmente “aumentar as taxas de juros”... através das quais o povo brasileiro deixava transferir-se cerca de 50% do “gasto público” para este setor restrito da população.
Lembremos que, apesar do título de “investimentos diretos”, tratava-se de capitais financeiros em busca de nossos excedentes financeiros, expressos sobretudo nas nossas elevadíssimas reservas cambiais que – pasmem-se os nossos leitores – estão na mão do mesmo Banco Central que as aplica em investimentos financeiro injustificáveis (como a compra dos desvalorizados títulos emitidos pelo Estado dos Estados Unidos e pelos quais paga zero juros desde 2008) ou então se utiliza nossas reservas no mercado cambial para manter nossa moeda com alto valor frente ao dólar, em vez de colocá-las a serviço de investimentos realmente produtivos e necessários.
Esta instituição monstruosa empurrou o pais para um falso deficit fiscal, que deve ser coberto com apertos fiscais para cortar os gastos públicos destinados a atender às necessidades de nossa população aumentando de maneira completamente artificial nossas dívidas e exigindo mais cortes de gastos públicos para aumentar o deficit público. E ainda chamam a esta gastança absurda de “responsabilidade fiscal”.
Desta forma, a presidente Dilma Rousseff, que dirigia um país de alto êxito econômico (e financeiro!) com um crescimento do PIB de mais de 7% ao ano, um poderoso superavit comercial internacional, reservas em crescimento, uma capacidade invejável de atração de capitais do exterior, aumento do emprego e queda do desemprego, um programa de gastos públicos de alta qualidade apesar de todas as críticas que se lhe pudessem fazer e, finalmente, através de politicas sociais que passaram a ser imitadas no mundo inteiro. Neste momento, o governo da presidente Dilma alcançou mais de 60% de aprovação em 2012.
Como foi possível que a presidente Dilma acreditasse nos “economistas” do Banco Central e abandonasse seu programa extraordinariamente exitoso? Como pode ser que aceitasse as absurdas ideias dos diretores do Banco Central, reunidos sob o nome de Copom, e iniciasse uma política recessiva a partir do aumento da taxa de juros com o único objetivo de conter uma inflação que na verdade era relativamente baixa?
Pior ainda, como pode a nossa querida lutadora e estudiosa da economia heterodoxa com influencia marxista acreditar que este é o caminho correto para conter uma inflação que era ainda baixa e que “ameaçava” explodir, segundo estes economistas “geniais”. Explosão esta que só existia na cabeça dos seis diretores do Banco Central. Não houve um só estudo econômico que provasse isto. Não houve um só modelo teórico que provasse esta previsão interessada e desastrosa.
Esta é a grande pergunta. Leiam com atenção o artigo do prêmio Nobel mais respeitado no mundo atual – Joseph Stiglitz(2). Não se trata de um radical de esquerda e sim de um analista social, político e econômico de grande qualidade que não se deixou levar por raciocínios primários sem nenhum fundamento empírico.
Em recente artigo sobre a crise mundial ele reitera que o “pensamento” econômico que sustenta estas políticas de falso rigor fiscal é de fato um instrumento direto do capital financeiro. Os aplicadores desta política, à qual se converteu Dilma e grande parte da esquerda brasileira, inexplicavelmente, pois estou seguro que pelo menos a presidente Dilma não raciocina em função de interesses pessoais e sim dos interesses do país. Os povos de todo o mundo sofrem com o resultado desta opção. Os povos de todos os países do mundo votam sistematicamente contra os chamados “ajustes fiscais”, que são um ajuste do gasto público para criar “superávits” fiscais para pagar as dívidas que o sistema financeiro consegue criar em todo mundo.
Os pretextos usados pelo pensamento neoliberal não são válidos. Porém mesmo os papas do neoliberalismo no mundo inteiro nunca se atreveram a colocar no cadafalso um país como o Brasil, que há 20 anos pratica o superavit fiscal e dispõe de cerca de US$ 400 bilhões de reserva. Os discutíveis avaliadores da “saúde” econômica dos países, apesar dos seus erros tremendos de previsão e evidente auxílio aos especuladores em geral não se atreveram a baixar o status do Brasil a ponto de exclui-lo dos centros mais saudáveis do mundo para receber capital internacional.
Contudo, o governo apoiado pelas forças populares do país entrega o poder a um contador sem nenhuma obra científica que possa justificar seu “prestigio” e que tenta nos impor o corte de grande parte das medidas econômicas de conteúdo social para realizar uma política macroeconômica inexplicável.
Nenhum raciocínio econômico razoável, nenhum estudo empírico sério, nenhum estudo de caso capaz de provar a relação absurda entre aumentos desproporcionais da taxa de juros e contenção da inflação, nenhuma teoria ou mesmo um artiguinho em alguma revista com quális alto, como é moda nos nossos meios acadêmicos atuais, foi apresentada para a discussão com o povo brasileiro que justifique a transferência de cerca de R$ 1 trilhão em pagamento de juros ao privilegiadíssimo 1% do povo brasileiro. Enfim, nenhuma explicação capaz de fundamentar esta política que é rejeitada radicalmente por mais de 70% da população brasileira, que deixou de apoiar Dilma para converter-se em massa de manobra de interesses golpistas no país.
Stiglitz cada vez mais se aproxima das análises que nos conduzem a políticas econômicas opostas ao caminho seguido de repente pelo atual governo, eleito para manter sua política anterior – isto é, antes do suicídio da volta aos juros altos a serviço do capital financeiro. Ele esperava que ela fosse aperfeiçoada, jamais abandonada. Ninguém imaginava que que, em vez de continuar a política aprovada pela maioria esmagadora da população brasileira, o segundo governo de nossa companheira de tantas lutas adotaria a política econômica da oposição brasileira.
Trata-se inclusive da submissão aos economistas do PSDB, que deixaram o governo em 2002 com uma inflação de 13%, reservas externas de US$ 35 bilhões, uma dívida pública de mais de R$ 800 bilhões, um crescimento zero do PIB, uma concentração de renda colossal etc. etc. É hora de pensar bem em quem cremos. O povo brasileiro, como todos os povos do mundo, já tomou sua decisão. Há um levante mundial contra as políticas neoliberais e seus “ajustes fiscais” que retiram recursos de nossos povos para entregá-los sob diferentes disfarces aos donos do sistema financeiro mundial. Se não creem no rigor destas análises, esperemos para ver a explosão mundial que se está armando.
Theotonio dos Santos
Premio Mundial Economista Marxiano de 2013 da Associação Mundial de Economia Política – World Assotiation for Political Economy (Wape).
Monitor Mercantil
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