quarta-feira, 6 de maio de 2015
Vencer a batalha das ideias
Os governos de esquerda têm que enfrentar o elemento de maior força do neoliberalismo: sua força ideológica do 'modo de vida norte-americano.'
Emir Sader
“E quando, finalmente, a esquerda chegou ao governo, tinha perdido a batalha das ideias.”A afirmação de Perry Anderson sintetiza o maior desafio para os que queremos superar e substituir o neoliberalismo em todas suas dimensões.
Significa que o neoliberalismo fracassou como proposta econômica, o que abre a possibilidade para que a esquerda apareça como alternativa de governo. Quando chega ao governo, tem que enfrentar toda a herança maldita do neoliberalismo: recesso, enfraquecimento do Estado, desindustrialização, fragmentação social, entre outras coisas.
Mas, além disso, tem que enfrentar o elemento de maior força do neoliberalismo, a nível de cada pais, mas também a nível internacional: sua força ideológica, a força do “modo de vida norte-americano”, que impõe sua hegemonia de forma quase inquestionada em escala global.
O estilo de consumo shopping center se globalizou de maneira aparentemente avassaladora. É uma espécie de ponta de lança do neoliberalismo, materializando seu principio geral, de que tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. Por isso o shopping center é o exemplo mais claro do que se convencionou chamar de “não lugares”.
O shopping costuma não ter nem janela, nem relógio. Entrar em um desses espaços é se desvincular das condições de vida nas cidades como efetivamente existem, para se articular com a rede de consumo globalizada, mediante às marcas e seu estilo de consumo. Com o conjunto de “vantagens” que traz o shopping center - proteção do mal tempo, do roubo, com lugar para estacionar, com grande quantidade de cinemas, de lugares para comer, além da diversidade de marcas, todas globalizadas – representa um instrumento poderoso de formas de vida, de sociabilidade, construídas em torno do consumo e dos consumidores.
O shopping center é a utopia neoliberal e expressa, da forma mais acabada – junto com a publicidade, as marcas, a televisão e o cinema norte-americanos, entre outros instrumentos – a hegemonia do modo de vida norteamericano. Lugar que ocupa praticamente sem questionamentos, salvo resistências do islamismo ou dos evangélicos.
A luta antineoliberal conseguiu impor consensos no plano econômico contra a centralidade do mercado, a favor da prioridade das políticas sociais, por exemplo. Mas não gerou ainda valores, formas de sociabilidade, alternativas ao neoliberalismo e a seu mundo de valores mercantilizados. É certo que há mecanismos monstruosos de promoção dos valores neoliberais, mas também é certo que não temos valores alternativos – solidários, humanistas – que apareçam como alternativas.
As politicas sociais dos governos pós-neoliberais tem um caráter solidário e humanista, mas não fomos capazes de traduzi-las em formas de sociabilidade, em valores, alternativos ao egoísmo consumista do neoliberalismo.
Não se pode simplesmente incorporar propostas anti-consumistas, em sociedade em que o acesso ao consumo é uma conquista para a grande maioria da população. Acesso que traz, junto, as vantagens do consumo e, por extensão, promove o mundo do consumo – incluído o shopping center – como um objetivo de vida. Assim, não se trata de uma batalha simples. Mas é indispensável para a construção de um mundo solidário e humanista.
Sem a critica do egoísmo consumista dominante, da falta de solidariedade – especialmente com os mais frágeis -, nao conserguiremos avançar contra a forte hegemonia ideológica do neoliberalismo e ganhar a decisiva batalha das ideias, decisiva nos enfrentamentos centrais do mundo de hoje.
Carta Maior
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