sexta-feira, 8 de maio de 2015

Mídia e Público


O olhar hipnótico da serpente

Há quem diga, mas deve ser um mito, que a serpente hipnotiza sua presa antes de dar o bote. A vítima fica imóvel, imobilizada, destinada a ser abocanhada nos próximos segundos, mas não foge. Não luta.


Para quem aprende, também há uma serpente, que nos hipnotiza e imobiliza, chamada ignorância. Ignorância no seu sentido estrito de desconhecimento, e não no sentido pejorativo de "pessoa ignorante".

Ignorante de um assunto, sou hipnotizado e paralisado por ele: as palavras desconhecidas intimidam, e parece impossível desvendá-lo. Sem saber por onde começar, fico à deriva, não consigo encontrar o caminho, e no fim entrego-me ao bote do destino, que me reprova, me elimina, e me diminui.

Uns poucos entre nós nascem com a habilidade de não se deixarem hipnotizar pela serpente da ignorância. Sabem que ela é só isto: uma espécie de cortina muito fina, uma cortina de fumaça, atrás da qual estão todos os conhecimentos, todos os caminhos, e toda a instrução que desejamos --- ou não --- possuir.

A cara terrível da serpente é o medo (este sim) que vem de dentro: de nos conhecermos em nossa limitação e ignorância, de aceitarmos que não somos tão inteligentes quanto Euler ou Newton, de aceitarmos que precisaremos usar nosso tempo precioso com muito trabalho até que tenhamos conseguido começar a entender algo.

Depois que saímos do transe, a serpente já não pode nos obstruir o caminho. Aos poucos vamos entendendo como juntar as peças do quebra-cabeças; aos poucos, palavras muito complicadas e ameaçadoras começam a sê-lo bem menos (não consigo me esquecer da repulsa que sentia sempre que ouvia ou lia a palavra "baroclinicity" --- até o dia em que abri uns dois ou três livros, li com cuidado os parágrafos que tinha pulado quase inconscientemente por medo ou tédio ou preguiça, e finalmente a conquistei)

Peça a peça, o quebra-cabeças é montado, o problema se desmancha, e a serpente se evapora, posto que por mais feia que seja, é isto mesmo: fumaça.

Muitos anos depois, rimos de nós mesmos, do medo que sentíamos destes monstros que nos assolavam a imaginação de estudantes. Mas, para o estudante-em-construção, a serpente é muito real. E é muito difícil convencê-lo, ou convencê-la, do quanto o seu cérebro racional é mais capaz do que o seu medo.

Se eu fosse mais crente, rezaria para São Jorge (sábia Umbanda!): é preciso pedir sua ajuda para matar a serpente (sei: ele matou o dragão, mas são todos répteis afinal) que nos paralisa e impede de conhecer. Ela não pode, jamais, vencer. Só nos resta, como São Jorge, Santo Guerreiro, combater. 


Lemma.ufpr

 

Um comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...