Razões intrínsecas ao modo de produção singularizam a economia em nosso tempo com uma concentração da riqueza financeira proporcional ao agigantamento global da reprodução capitalista.
Não existe, não existirá outro equivalente econômico que rivalize com o poder de comando criado em torno dessa engrenagem. Sua negação terá que ser construída na esfera da democracia e do Estado. É a essência da crise atual.
O crédito se notabiliza como a viga estrutural da escala assumida pelo hegemonia financeira. Mas é só um pedaço do poder de comando sistêmico exercido pela finança que a distingue como o setor mais poderoso e organizado da economia.
Por "poder de comando sistêmico" entenda-se a hegemonia de um aparato que inclui a gestão da riqueza entrelaçada à propriedade dos meios de produção, mas que vai além revestindo essa posse de salvaguardas institucionais, bem como do poder de sujeição, capacidade de influência e iniciativa que, somadas, firmam um sinônimo daquilo que se entende por dominação social.
Gestores, analistas, mídia, acadêmicos, institutos de pesquisa, think tanks, bancadas parlamentares, a robusta categoria dos consultores (e sua inesgotável bateria de 'estudos' a colonizar redações obsequiosamente receptivas) , ademais das articulações internacionais e do controle de amplos segmentos do Estado servem à engrenagem que impulsiona e sustenta o poder do capital a juro entrelaçado às corporações produtivas.
Não são as necessidades do desenvolvimento ou as da sociedade que comandam esse processo. É o inverso.
E esse inverso está sendo afrontando no Brasil na sua autonomeada prerrogativa de ditar a remuneração do capital a juros e os rumos da economia.
Contrariar essa lógica não é algo que se faça a frio: não se trata de questão técnica.
Ela confronta uma escolha de sociedade e um escrutínio sobre quem deve assumir o comando do seu desenvolvimento e do seu destino.
Desde 2008, com a mudança nas relações de forças decorrente da crise global, o Brasil tem aproveitado a margem de manobra para mitigar esse domínio. Inicialmente, com a determinação de criar a menor área de atrito possível.
O governo Dilma foi além das negociações protocolares.
Este ano as taxas brasileiras foram colocadas nos níveis mais baixos da história. Com o nada desprezível poder de indução dos bancos públicos, tenta-se agora dobrar a banca privada no braço de ferro do corte nos spreads e no custo das tarifas-- ambos persistem obscenos.
No 3º trimestre os bancos brasileiros tiveram uma queda de lucros de 31% em relação a igual período de 2011.
Nada que ameace a gordura acumulada nas muitas vezes em que o ventre protuberante dos banqueiros locais depositou suas credenciais na liderança mundial da lucratividade financeira.
Mas o fato é que uma queda de 31% nos lucros é suficientemente dura para gerar animosidade na turma dos acionistas e da aristocracia engravatada.
Gestores de carteiras que desfrutam de suculentos bônus anuais, uma bolada extra que pode representar o equivalente a 50 salários em troca de metas e saldos, terão que reduzir as expectativas a partir de agora.
Segundo o jornal Valor desta 2ª feira:
'Executivos do setor financeiro devem ter uma redução entre 10% e 30% nos bônus que serão pagos em 2013, relativos a resultados de 2012"
Motivos:
"A pressão por spreads menores nos bancos, a dificuldade que as instituições estão enfrentando para gerar rentabilidade em um cenário de juros mais baixos e o impacto da crise financeira lá fora são fatores que devem segurar os bônus dos executivos de finanças este ano", explica ao Valor, Bernardo Cavour, diretor da Flow para o segmento de bancos e private equity"
Há uma outra forma de ver a coisa. Ela evidencia o embate silencioso entre os sócios do rentismo e o esforço de construção de uma política ativa de desenvolvimento para o país no pós-neoliberalismo.
Ou , como preferiu dizer de forma mais técnica a Presidenta Dilma, em seu discurso no Encontro Nacional da Indústria (05-12-2012):
"Vivemos um período de transição, um período no qual os investimentos do setor real da economia tenderão de ser mais atrativos que as demais oportunidades de investimento (financeiro); o Banco Central conseguiu realizar um movimento cauteloso na direção (dessa) mudança macroeconômica ( ...)que é estratégica".
Em resumo, o ajuste global ganhou aqui um impulso ordenado pela determinação política de reduzir a lucratividade desfrutada durante anos pelo capital financeiro. E induzir os investidores a migrarem para os segmentos e projetos da esfera produtiva. Uma travessia de certa forma inspirada naquilo que Keynes prescrevia como 'provocar a eutanásia do rentista' --a sua transmutação em capital produtivo. Se não o fizer o Brasil naufragará junto com as economias mundiais conflagradas pela desordem neoliberal e soterradas no ajuste que recorre ao mesmo veneno.
A aristocracia das gravatas & cifrões rastreia o ambiente e se remexe inquieta.
O noticiário econômico é farto em motivações para inquietar traseiros longamente modelados em assentos de couro. O Citigroup vai demitir 11 mil funcionários no mundo ( 4% da folha); 14 agências vão cerrar as portas no Brasil; o Santander pode demitir 5 mil funcionários no país etc.
Seria importante se algum curso de jornalismo se dispusesse a centimetrar quanto do noticiário econômico e das colunas ditas especializadas, tem sido ocupado por críticas, 'estudos', projeções e 'advertências' (ameaças?) originárias do aparato ideológico construído em torno da endogamia entre juros siderais e bônus milionários.
Serviçais do teclado e dos microfones farejam o filão e babam ao vivo,ao mesmo tempo em que respingam sofreguidão nos textos.
O episódio da The Economist -que pediu a demissão do ministro Mantega-- é só a cereja desse bolo ainda em fermentação.
Uma coisa é certa, a gigantesca massa de forças reunida em torno desses interesses mais que nunca está à campo, pautando e martelando a mídia amiga. E não é para elogiar o Brasil, que perdeu o charme, dizem as análises isentas. Menos ainda para tornar mais leve a segunda metade do mandato da Presidenta Dilma, a partir de 2013. A ver.
Carta Maior
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