Roberto Romano é professor de filosofia e ética na Unicamp. Em princípio, isso é muito bom e legitima o que diz. Ele, como eu e o ministro Marco Aurélio, espantou-se com a disparidade das penas aplicadas aos executores do mensalão – Marcos Valério e seus cupins – e aos considerados seus chefes – José Dirceu e seus cupinchas.
Essa discrepância agradou ao deputado Pedro Henry, um dos condenados, que, com extrema lucidez, sintetizou: “O semiaberto é mais agradável”. Por que se prende alguém? A turma do imaginário medieval não tem dúvidas: para castigar. O pessoal mais moderno pensa em reeducação ou em tirar de circulação quem possa reincidir ou colocar a sociedade em perigo. Afora crimes de sangue e hediondos, não deveria haver prisão. Um corrupto poderia ser punido com a devolução total do que surrupiou e com a interdição de voltar a exercer a atividade em que se meteu no lodo.
A Folha de S. Paulo, em editorial, andou defendendo essa ideia. Foi torpedeada pelos que consideram qualquer pena alternativa à prisão como sinônimo de impunidade. Especialistas garantem que essa visão é anacrônica. A prisão pode ser, como se diz, escola do crime, custa caro e perpetua uma ideia inadequada, a da punição como vingança. Há contra-argumentos: ficaria a prisão só para os pobres? Os criminosos de colarinho branco escapariam sempre das temporadas no inferno? Essas propostas estariam em pauta para salvar os mensaleiros da cana? Pode ser que alguns tragam o assunto à baila para tentar salvar seus amigos da cadeia, mas o assunto é mais velho.
A mídia, em geral, só pensa em termos de prisão. Os intelectuais universitários que trabalham com isso podem pensar diferente. Como a mídia desconhece ou não entende o que se pensa na universidade, vivendo numa ilusão que chama de realidade, segue na contramão. O professor da PUCRS e advogado Felipe de Oliveira, por exemplo, entende que não adianta reformar o Código Penal de 1941 para repetir uma concepção de pena que já está condenada.
Em entrevista recente, Roberto Romano detonou o “prisionismo” dominante nos espíritos mais ferrenhamente defensores do castigo e da exclusão do “convívio social” dos criminosos por longo tempo: “Essa ideia de necessidade de prisão é profundamente negativa e é muito próxima de quem defende o uso irrestrito da força física pelo Estado. E isso vem de uma tradição muito antiga – e sobretudo por termos vivido duas ditaduras, e em uma das quais, a de 1964 [comandada por militares], que prometia acabar com o comunismo e a corrupção”. E concluiu: “No fim, ela [ditadura de 1964] conviveu muito bem com a corrupção – tanto que temos notórios corruptos, filhotes dessa época, que continuam sendo eleitos e reeleitos”.
Há pouco, no Irã, uma mulher que perdeu a visão de um olho ganhou o direito de cegar seu agressor. Com pena, ela dispensou a pena. Ficou malvista pela justiça local. Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, mostra os limites da prisão: “De maneira que se eu traí meu país, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio”. Que não cura.
Juremir Machado
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