Thalita Pires
Para a pesquisadora Thêmis Aragão, moradias construídas nas regras de mercado reafirmam lógica de exclusão das cidades
A maior crítica dos urbanistas ao programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal em 2009, é a de que as necessidades do setor de construção civil foram mais importantes na construção do modelo do projeto do que o modelo de cidade que ele criaria. Como é de conhecimento público, o programa foi formatado em parceria com esse setor econômico, que precisava de uma mãozinha para não se afogar na crise imobiliária mundial de 2008.
“A construção civil buscou uma articulação com o governo federal para contornar a queda nos preços dos papéis que antes financiavam a construção”, afirma a pesquisadora Thêmis Aragão. “Houve uma convergência de interesses: aumento da habitação social com a garantia do financiamento do setor”, completa. Dessa maneira, o resultado foi uma política de acesso ao crédito, por parte dos consumidores, e de financiamento facilitado, por parte das construtoras.
Apesar de algumas exigências para a liberação dos recursos, a verdade é que quem decide os terrenos em que as novas moradias serão construídas é o setor privado. “As prioridades estão invertidas. A localização é ditada pelo mercado, que economiza no preço da terra ao levar os prédios para as áreas periféricas”, diz Thêmis. Além de obrigar as pessoas mais pobres a viver longe dos centros urbanos, esse modelo obriga que o estado vá atrás e construa uma infraestrutura que não existe nos terrenos escolhidos. Água, esgoto, iluminação, escolas e postos de saúde são então levados a essas áreas. Mais uma vez, quem ganha é o setor da construção civil, que será o responsável por essa nova malha de serviços.
As prefeituras têm alguma possibilidade de intervir nesse cenário. São elas que detêm os mecanismos legais para garantir que a localização dos empreendimentos no espaço urbano. Entre eles estão as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que exige a construção de moradia social em determinadas áreas, e o IPTU progressivo, que pode impedir que os proprietários deixem seus imóveis vazios em áreas centrais das cidades. Mas isso depende de vontade política – contrariar os interesses dos maiores financiadores de campanha não é fácil. Além disso, pequenas cidades simplesmente não têm poder suficiente para se contrapor às vontades de grandes corporações. Em municípios menores, há disputa pela construção das unidades habitacionais. Leva o investimento a cidade que atender melhor aos pedidos das construtoras.
No modelo do Minha Casa, Minha Vida, o mercado dá as cartas sempre. Assim, fica difícil imaginar que haverá um modelo mais inclusivo de cidade no futuro. Por enquanto, está perpetuado o modelo de expansão territorial desordenada e descontrolada.
Rede Brasil Atual
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