A crise que assola nosso país só poderá ser enfrentada e soluções verdadeiras só virão a partir do momento em que assumir a Presidência da República uma pessoa eleita pelo povo. A população não aceita que seus problemas sejam tratados por um governo ilegítimo, que chegou ao Poder através de um golpe e que é corrupto. O caminho da eleição é incontornável para a retomada da normalidade institucional em nosso país.
Entretanto, a elite do atraso que comandou o golpe monitora de perto a evolução dos fatos, faz os manejos que julga necessários, examina inclusive a hipótese de refazer alianças, realçar alguns líderes, esvaziar e até descartar outros. Tudo para que o objetivo central do golpe não se perca: o de aplastar a política de desenvolvimento com inclusão social que estava em curso no Brasil e consolidar uma nova política, entreguista, de rebaixamento dos direitos sociais, de garantia dos superlucros do capital financeiro e dos supersalários e privilégios, como os do Ministério Público e do Judiciário.
Observando os acontecimentos, e preocupada em garantir a continuidade de suas posições, a frente golpista deparou-se com um problema crucial: toda vez que o povo é consultado sobre quem ele quer na Presidência da República, a resposta majoritária é sempre a mesma, Lula, justamente a pessoa que simboliza a política de ascensão social contra a qual deu-se golpe.
O reacionarismo local vê-se então ante o seguinte dilema: se impede a eleição de 2018, aprofundará a crise, poderá despertar revoltas populares e cavará um fosso maior ainda para sua derrocada; se vai a uma eleição livre, em que a vontade do povo seja respeitada, perderá inexoravelmente o Poder, Lula será eleito, e a aventura golpista ficará inteiramente desbaratada.
Ante esse impasse, os que dirigem a frente fascistizante, montada com setores do Judiciário, do Ministério Público e da grande Mídia, optaram então por dar mais um golpe, o de impedir que Lula, o candidato do povo, dispute a eleição. Como fazer isto? Condenando-o de qualquer jeito, trancando-o em uma cela, colocando-o na cadeia, mas tendo o cuidado de fazer tudo isso como se estivesse cumprindo a lei, dando a impressão à sociedade que a Justiça está funcionando, que o Supremo está no comando do processo e que a Constituição está sendo respeitada. O fundamental é que o povo fique iludido e que Lula seja “condenado”, ou “preso”, mas, “dentro da lei”.
Um problema traz o outro e observa-se que a lei vigente tem exigências que não permitem esta encenação, como por exemplo, só condenar com provas. Então, outra decisão foi tomada, a de mudar a lei, gradativa e irreversivelmente. Como isto não poderia ser feito sob os olhos de um Supremo rigoroso na defesa da ordem constitucional, solapa-se essa ordem, mudando-se os critérios de julgamento do Supremo, criando-se no país uma Justiça Política.
É isto mesmo. Toma corpo no país uma Justiça Política. Ela é o núcleo de um Estado Despótico sob a égide do Judiciário, com Legislativo fraco e acuado, e Executivo ilegítimo e desmoralizado.
A emergência de uma Justiça Política no Brasil começa há alguns anos, talvez desde o início da Lava Jato. Esta, por sua vez, foi uma artimanha bem montada, que ilude bastante a população porque pega alguns ladrões, mas cujo objetivo central só foi descoberto recentemente, que é o de inviabilizar a candidatura de Lula à presidência da República, condenando-o, mesmo sem provas.
Na continuidade, com pretextos variados, o Estado democrático de direito vem sendo, há anos, solapado. O devido processo legal – pedra de toque de um regime democrático – que define em que condições um cidadão pode ser preso, é aviltado; a Constituição, que garante “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” é profanada; conduções coercitivas desnecessárias, portanto ilegais, são repetidas; prova de crime não é exigida, basta a denúncia de um criminoso; a tortura é ajustada aos tempos modernos, vira só psicológica: ao invés do choque elétrico, arrancam-se ou forjam-se “confissões” abatendo a moral da vítima, pela prisão preventiva por tempo indeterminado, com ameaças à sua família, com a indicação de que sua empresa pode ir à falência; parlamentares são presos não apenas “em flagrante delito de crime inafiançável”, como diz a Constituição, mas o próprio conceito de flagrante é adulterado para “flagrante continuado”; juiz suspende mandato de senador, pouco se incomodando com a Constituição que não lhe dá esse direito; procurador e juiz falam, não apenas nos autos, mas na televisão; com a Polícia Federal, dão espetáculos.
Tudo isso que foi surgindo à margem do Estado brasileiro, logo foi crescendo em tamanho e arrogância. O que parecia excepcional foi ficando permanente, e um Estado Despótico foi tomando corpo dentro e em detrimento do Estado democrático de direito A grande mídia notabilizou-se como cúmplice militante dessas deformações. Os Tribunais, como centros que as chancelam, até pela omissão. Há resistência e exceções, é claro, mesmo nos Tribunais e no meio dos Procuradores. Advogados reagem, mas a cavalaria, por enquanto, avança.
Quando tudo isso ganha relevo, é bom que reflitamos na advertência de Ruy Barbosa, lembrada recentemente pelo Ministro Marco Aurélio do STF: “ a pior ditadura é a do Judiciário”.
Esse Estado Despótico que emerge sob a égide judicial fez recentemente sua primeira vítima fatal, levando ao suicídio o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Alvo de suspeitas infundadas, de procedimentos injustos, arrogantes e arbitrários da parte de prepostos do Poder Judiciário e do Ministério Público, o referido professor, um homem de bem, que na sua juventude resistiu à ditadura, que se tornara um intelectual de projeção e Reitor de uma importante universidade federal, terminou dando cabo à sua vida, abatido por humilhações que não suportou.
O objetivo imediato da Justiça Política brasileira que surge é impedir a candidatura à Presidência da República do maior líder popular brasileiro Lula da Silva.
Cabem às forças democráticas e populares, às Centrais Sindicais, aos estudantes, à intelectualidade, aos Partidos de esquerda, aos parlamentares, procuradores e magistrados que discordam dos rumos perigosos que o país segue, à imprensa independente que também cresce no país, não se envolverem na cantilena pretensamente moralista em voga, que é pretexto para iludir o povo e, na resistência denodada, ampliar suas forças, captar apoios de quem quiser apoiar, para impedir mais essa violência contra o povo brasileiro.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Altamiro Borges
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