O ódio está no ar. Hoje qualquer reação das minorias diante do poder de coação e crimininalização dos hipossuficientes são tidas como absurdo. Foi o que aconteceu quando do anúncio do Congresso de Criminologia, Direito e Processo Penal retratado na arte de Carlos Latuf com o Estado Policial espancando um trabalhador. A reação foi de condenação à interpretação artística dessa violência real e inegável contra o povo pobre da periferia, os negros, gays e lésbicas. Quem matou Patrícia Acioly com 21 tiros? Quem matou Amarildo? A primeira representando o estado comprometido com o direito a exigir o respeito às leis e o segundo representando a opressão que sofre o povo trabalhador.
Quem é a polícia que mais mata e, consequentemente, já que vivemos em estado de guerra, como afirmou o Ministro da Defesa, também os que mais morrem? A quem interessa negar e esconder essa violência tão palpável. A quem interessa não discuti-la na busca de soluções? O tradicional respeito às diferenças religiosas tem sido violado e as religiões afro, cujos templos e objetos sagrados são constantemente vilipendiados por pseudo representantes do fanatismo religioso. São Tomás de Aquino já anotava no século XII que o homem deve ser irredutivelmente livre, a ponto de negar a própria ideia de Deus. Essa licença nos coloca no lugar de checar todos os dogmas em discussão para através do debate democrático encontrar soluções para tão grave problema de convivência entre humanos.
Não se pode negar que essa “Guerra” não foi decretada pelo povo da periferia, nem pelos policiais, que em nome do Estado comete atrocidades. A polícia deve ser a linha de frente e exemplo de respeito à Constituição e às leis. Quando invade domicílios sem mandados judiciais, quando comete violências que não se coadunem com suas funções de guardar a ordem, quando é arbitrária e autoritária, equipara-se aos marginais, porque à margem das leis. Que exemplo passa para aqueles que estão em processo de desenvolvimento quando lançam frases irresponsáveis contra os magistrados afirmando que a polícia prende e a justiça solta? Sabem muito bem que compete ao judiciário a garantia do respeito às leis e aos princípios e quando alguém prende mal e arranha a lei, cabe ao juiz restaurar o direito e soltar quem está indevidamente preso, ou prender quem se enquadra nos tipos penais e processuais compatíveis.
O chicote de Latuf posto na mão do Estado policial pode perfeitamente estar nas mãos do magistrado que autoriza mandados coletivos contra comunidades vítimas da criminalidade; pode estar na mão daquele que declara simples aborrecimento o constrangimento causado pelos representantes do capital; daquele que autoriza a invasão das terras indígenas; daquele que favorece uma parte no litígio judicial; daquele que persegue juízes em razão do conteúdo de suas decisões judiciais, desrespeitando a independência dos magistrados; pode estar nas mãos dos que relativizam os direitos dos trabalhadores para favorecer os representantes do capital; pode estar com aqueles que se utilizam do cargo público para favores particulares e atos de nepotismo. E de inúmeros outros “carrascos” que ousam fazer da interpretação das leis um instrumento de coação aos mais vulneráreis.
* Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia
Jornal do Brasil
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