terça-feira, 17 de outubro de 2017

O debate em torno do estado de exceção

Michel Zaidan Filho


Dois episódios reforçaram muito, nesta última semana, a hipótese já manifestada por outros estudiosos e analistas da política brasileira de que vivemos num “Estado de Exceção”.

A expressão, criada pelo jurista alemão Karl Schimdt no contexto da situação política alemã, tinha sido empregada pela minha amiga e professora de Direito, Lianna Cirne, quando da repressão militar aos movimentos de rua no Brasil em 2013. Num debate, na Faculdade de Direito do Recife, Liana falou em “Estado de Exceção episódico”, referindo-se naquela ocasião à repressão seletiva aos negros, pobres, trabalhadores e opositores da situação política vigente no País. Depois, essa expressão veio à baila a propósito do golpe parlamentar que afastou a Presidente Dilma do cargo. Nesse então, um conhecido eminente professor e assessor da Presidência da faculdade Maurício de Nassau fez uma defesa teórica e política do golpe parlamentar, apoiando-se na doutrina do “decisionismo político”, e, Karl Schimdt e no “Estado de Exceção”, para justificar o golpe. Naquele momento, recebi de sua distinta pessoa as gentis e corteses palavras de “tacanho” e “atrasado”, por ter criticado a sua defesa de um “Estado de Exceção” entre nós. Agora, depois de duas recentes decisões sobre o atual mandatário do País e seu compincha Aécio Neves, veio à tona outra vez o conceito schmidtiano.



Refiro-me aqui às decisão titubeante da Presidente do STF em ter transferido para o Senado Federal a última palavra sobre o afastamento do mandato do político mineiro Aécio Neves. A outra decisão polêmica, para dizer o mínimo, foi o do relator da CCJ da Comissão de Ética, da Câmara dos Deputados, Bonifácio Andrada, sobre a denúncia contra Michel Temer. Estas decisões, sobre serem polêmicas, elas põem de manifesto a fragilidade das instituições políticas e judiciárias em nosso País e aponta decididamente para um “Estado de Exceção” á revelia de todo comando constitucional ou legal no Brasil. Esta é, pelo menos, a idéia de um dos nossos melhores cientistas políticos do estado, ligado à Fundação Joaquim Nabuco (favor, não confundir com a Faculdade Joaquim Nabuco).



Enquanto algumas cabeças “iluminadas” acolhem a ideia com entusiasmo e aprovação, numa espécie de servidão acadêmica aos poderosos do dia, o nosso cientista político vê com muita preocupação essa situação de anomia constitucional no Brasil. A decisão “tomada” pela ministra Carmem Lúcia Antunes, deve ter sido presidida por um conciliábulo com a cúpula do Congresso Nacional e ministros da própria corte constitucional, no sentido de que fosse buscada uma “saída de honra” para o STF, ante a ameaça concreta de desmoralização ou desautorização, mais uma vez, de suas decisões pelos parlamentares brasileiros. Partiu do senador Eunício de Oliveira e do Presidente da Câmara, através da mediação do ministro Gilmar Mendes, a ideia de um acordo no sentido de evitar um desentendimento frontal entre os dois Poderes da República.



A questão central é: deveria a Presidente do Supremo ter aceito tal acordo? – O seu titubeio, a sua gagueira e a dificuldade de redigir juridicamente tal decisão falam por si só. Quando não se tem convicção do que se faz, a expressão oral revela, através de titubeios, hesitações, pausas e dúvidas a falta de convicção. Foi preciso o ministro Celso de Mello, que votou a favor do relator do processo, socorrer a ministra, pois sua dificuldade de expressar verbalmente a decisão era reveladora da falsa, perigosa base jurídica para aquele entendimento “ad Hoc”, “casuístico”. Covarde.



Não se pede àqueles que poderão ser eventualmente denunciados e afastados de seus cargos que se pronunciem se aceitam ou não ser denunciados e afastados. A não ser em casos explícitos de corporativismo e casuísmo. Seria uma medida de autoproteção ou autoimunidade do Congresso em face de eventuais denúncias contra seus membros. Estaríamos criando uma casta de cidadãos acima da lei e do ordenamento jurídico do Pais e dando um forte atestado de imunidade para que eles cometam todo tipo de delito. È o que pode acontecer.



A segunda decisão é tão infeliz quanto a primeira. E mostra o estado de decomposição moral e política de uma comissão chamada de “ética” da Câmara dos Deputados. “Comissão”, sim (fala-se de 6 milhões o que receberá quem votar contra a denúncia em relação a Temer). Mas “ética”, nenhuma. Os senhores parlamentares não se dão conta do fosso cada vez maior que se levanta contra a sociedade e a instituição política, responsável pela produção legislativa brasileira. Num espetáculo de corporativismo explícito, os nobres parlamentares vão cavando a sua própria sepultura, enquanto mandatários da soberania popular.





O pior é que a desmoralização dos Poderes não leva diretamente à restauração da plena democracia e do Estado de Direito no País. Pode levar a instauração definitiva de um “Estado de Exceção” prolongado, repressivo e militar. Aí, não sobra para ninguém. Nem mesmo as vivandeiras e os apologetas das Ditaduras nem tão esclarecidas asissim.


Robertoalmeidacsc

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