quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Cid Benjamin: 'Está tudo acanalhado'


A gangue que dá as cartas no Planalto perdeu a compostura. Quem ainda não está preso corre atrás da imunidade e busca desculpas esfarrapadas para tentar escapar da punição

Rio - A frase acima é da lavra de um tio-avô meu, já falecido. Não o conheci, mas suas histórias eram famosas na família. Moreno escuro, quase mulato, simpático, usava brilhantina no cabelo e gostava de dançar. Diante das safadezas dos políticos (sim, elas já existiam na época!), afirmava como um mantra: "Está tudo acanalhado".


Talvez não haja expressão melhor do que esta do Tio João para definir o quadro brasileiro hoje. A gangue que dá as cartas no Planalto perdeu a compostura. Quem ainda não está preso corre atrás da imunidade e busca desculpas esfarrapadas para tentar escapar da punição. A compra de apoios num Congresso desmoralizado é aberta. Quando não para buscar a proteção de corruptos, para a aprovação de medidas que favoreçam empresas no assalto aos cofres públicos.



A essa altura, os gângsteres nem tentam mais alegar inocência. Resumem-se a tentar desqualificar os denunciantes, lixando-se para a montanha de provas.



O pior disso tudo não é a quantidade de recursos que vão pelo ralo. Isso, em si, já seria grave. Com serviços públicos deteriorados, Saúde sucateada, Educação caindo aos pedaços, transportes públicos entregues às máfias de concessionários, segurança cada vez mais precária, os bilhões subtraídos poderiam ajudar a melhorar o quadro.



No entanto, o mais grave disso tudo é a desmoralização da política. O PT não inaugurou a corrupção (aliás, ele nem existia quando o Tio João dizia que estava tudo "acanalhado"). Tampouco pode ser apontado como o partido mais corrupto. Estão aí meia dúzia de legendas para desmentir a acusação. Mas surgiu com propostas de reformas estruturais na sociedade e mudanças na forma de fazer política. Foi extremamente tímido nas reformas e se lambuzou na corrupção, seja na pessoa de muitos dirigentes, seja como partido. Isso aumentou a descrença sobre a política e os políticos.



Como não há saída possível fora da política, é muito ruim que essa desconfiança tome corpo. Ela leva à omissão. É um desastre para o país a ideia de que todo mundo é corrupto e que a política é o terreno da roubalheira. Isso só serve ao imobilismo, à manutenção do status quo e ao aparecimento de aventureiros, salvadores da pátria e candidatos a ditadores.


E, com isso, tudo vai ficar cada vez mais "acanalhado" mesmo.


Cid Benjamin é jornalista

Odia


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