quinta-feira, 12 de outubro de 2017

STF decide: afastamento de parlamentar só com referendo do Congresso

Supremo ameniza crise com Senado e abre caminho para ‘perdão’ a Aécio.  Discussão cria guerra interna no Judiciário, que revisou decisão unânime no caso Eduardo Cunha

Afonso Benites

Um ano e cinco meses após afastar, de maneira unânime, o então deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de suas funções parlamentares, o Supremo Tribunal Federal mudou seu entendimento e, nesta quarta-feira, decidiu que não cabe ao Judiciário tomar sozinho decisões como essa. Pelo placar de 6 a 5 os magistrados concluíram que ao Judiciário é possível conceder medidas cautelares contra congressistas, desde que não impliquem em afastamento das funções públicas ou interfiram no cumprimento desse mandato. Nestes casos, a Casa Legislativa a qual o parlamentar pertence precisará referendar a decisão judicial em um prazo de 24 horas. Medidas cautelares são nove punições previstas no Código de Processo Penal. Tratam, por exemplo, de recolhimento noturno, do uso de tornozeleira eletrônica ou da obrigação de comparecer a um juizado com determinada frequência, entre outras.



A mudança de postura mostra uma avaliação mais política do que técnica e tenta esfriar o clima de animosidade criado com o Senado Federal depois que a 1º Turma do STF afastou por 3 votos a 2 o senador Aécio Neves (PSDB-MG) de suas funções e determinou que ele se recolhesse em sua casa todas as noites. A presidenta do STF, Cármen Lúcia, destacou que, cada processo criminal é um caso. E por essa razão, não era possível fazer comparar uma ação com a outra.



O que estava em análise nesta quarta-feira era ação direta de inconstitucionalidade 5526, apresentada pelos partidos Progressista, Social Cristão e Solidariedade. O que as legendas questionavam era se os afastamentos das prerrogativas parlamentares poderiam ser feitas pelo Supremo ou não. Tudo baseado no caso de Cunha. Porém, apesar de ela não citar nominalmente o senador Aécio Neves, essa decisão certamente interferirá no caso dele.



Assim, essa definição dá aval para o Senado reverter as medidas cautelares impostas a Aécio e devolver a ele suas prerrogativas parlamentares. No próximo dia 17 de outubro, o caso do tucano será analisado pelo plenário do Senado. Parlamentares da maioria dos partidos já declararam ser contrários ao afastamento dele disseram que o Judiciário estava interferindo no Poder Legislativo



A discussão sobre o assunto causou uma série de contestações entre os ministros do Supremo e abriu uma espécie de “guerra interna” no Judiciário. Os protagonistas foram os ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Em seu voto, Barroso repetiu várias vezes que o STF já tinha tomado uma decisão que afastou um parlamentar de maneira unânime. Sua insistência nessa questão irritou Marco Aurélio: “Hoje tenho outra compreensão. Vão me colocar uma camisa de força?”, reclamou. “Eu dispenso cobrança de coerência. Digo que não tenho compromisso sequer com meus próprios erros”, concluiu.



Em um dos momentos dos debates, quando Barroso questionou Marco Aurélio sobre um voto anterior dele, este bradou: “Tenho sistematicamente no tribunal um revisor”. E não respondeu ao questionamento de seu colega. Em seu voto, Barroso reforçou que, ao defender o afastamento das funções parlamentares, seu objetivo é igualar o julgamento dos congressistas aos dos demais cidadãos. “Prender miúdos e proteger graúdos é a tradição brasileira que nós estamos fazendo força para superar”.



Já Gilmar Mendes seguiu a linha de que não é possível reduzir a imunidade parlamentar. “Estamos falando de uma garantia básica, lapidar, do sistema de divisão de Poderes. Pode ser até que nós, vocacionados pelo direito achado na rua, estejamos dispostos a fazer algo nesse sentido. Mas não dimana do texto constitucional qualquer ideia de diminuição da imunidade parlamentar”, afirmou.



As duas vertentes

Supremo ameniza crise com Senado e abre caminho para ‘perdão’ a Aécio Cunha, o primeiro deputado da história afastado pelo STF

O grupo de ministros que defendia o afastamento pré-determinado pela 1ª Turma do STF se embasou na linha de que a punição estava de acordo com o artigo 319 do Código de Processo Penal. Esse artifício prevê a aplicação de medidas cautelares distintas de prisão. Já os ministros que eram contrários ao afastamento diziam que as prisões de congressistas só estão previstas no artigo 53 da Constituição Federal, que determina que a detenção de parlamentares só deve ocorrer em caso de delito em flagrante por crime inafiançável. Na prática, os magistrados, igualaram o recolhimento domiciliar noturno a uma prisão.



“A vida da pessoa não é afetada por uma medida de recolhimento noturno. Prisão é prisão. Quem já visitou uma, sabe como é. Medida restritiva de direito é outra coisa. O que se impede com o recolhimento domiciliar noturno é que se frequentem baladas, restaurantes, recepções, eventos festivos”, reclamou Barroso, voto vencido.



“Estender essa competência para permitir a revisão, por parte do Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais, significa ampliar referida imunidade para além dos limites da própria normatividade que lhe é própria, em ofensa ao postulado republicano e à própria independência do Poder Judiciário”, disse o relator Edson Fachin.



O primeiro a votar contra o relatório de Fachin foi Alexandre de Moraes, o mais jovem ministro da Corte que até ser indicado para o cargo, em fevereiro, era filiado ao PSDB, de Aécio. “A diminuição de imunidades parlamentares se faz em momento de exceção, de tirania. A fortaleza da democracia também é a fortaleza do Poder Legislativo”, afirmou.



"Respeito a decisão do Supremo, mas divirjo frontalmente dela. Permitir que Casas Legislativas decidam sobre medidas cautelares diferentes da prisão só favorece às organizações criminosas encasteladas no meio dos políticos", reagiu o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) momentos depois.



El País


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