quarta-feira, 13 de setembro de 2017

“Discurso econômico, arma da minoria rica”

Grupo de economistas rebeldes insurge-se contra narrativas hegemônicas que exigem, diante da crise, novos sacrifícios do povo. Para eles, é hora da redistribuição de riquezas

Theotonio dos Santos e outros

O debate econômico no Brasil encontra-se profundamente bloqueado e vem sendo insistentemente usado como chantagem contra o povo. Diariamente governo e imprensa exigem o sacrifício popular dizendo que não há saídas sem retrocessos, como a proposta de “reforma” da previdência, que na prática acaba com a aposentadoria. Por isso, as propostas que visam solucionar a crise através da distribuição de riqueza precisam voltar à tona com urgência e de maneira contundente.



É dentro desse “espírito” que um conjunto de economistas e profissionais da área econômica apresentam um manifesto para aprofundar o diálogo social sobre a economia, que deve servir ao povo. A iniciativa visa promover uma inserção mais organizada no debate público e desmontar as narrativas hegemônicas da economia que oferecem como única saída o sacrifício do povo trabalhador.



Apresentamos o manifesto “Economistas pelo Brasil”, que condensa, em linhas gerais, o que seria uma política econômica da maioria. Trata-se de um documento assinado por economistas e profissionais da área econômica, aberto a novas adesões (acesse aqui).



Economistas pelo Brasil



A riqueza brasileira



Somos mais de duzentos milhões de brasileiros e brasileiras de diversas origens, com uma diversificada produção cultural e uma forte resistência. A gente brasileira é nossa maior riqueza. Mas não é a única.



Nosso país não é pobre! Nos mais de 8 milhões de quilômetros quadrados de território nacional temos gigantescas riquezas naturais. Temos imensa capacidade hídrica (navegável e potável) e a maior taxa de incidência de energia solar do mundo. Estas duas riquezas combinadas são as principais fontes da vida, de energia limpa e renovável, e de produção de alimentos.



Nosso território nos legou também importantes jazidas minerais como ferro, bauxita, manganês e, contra todas as projeções antinacionais, o petróleo. Temos ainda o quase monopólio do nióbio, mineral essencial para a produção de produtos microeletrônicos e aços especiais.



O Brasil não é pobre! Sempre foi produtivo. Fomos uma das colônias que mais promoveu a riqueza das metrópoles, mesmo antes da descoberta do ouro, do ciclo do café e da industrialização. Hoje, produzimos a nona maior riqueza do mundo. Somos ainda, apesar de todos os recuos, a nona maior indústria mundial.



Mais do que possível, é necessário orientar coletivamente essas potencialidades para combater a crise atual, fazer as transformações estruturais necessárias, promover e satisfazer as necessidades de nossa comunidade nacional.



A economia contra o povo



O grande potencial econômico do país não tem sido usado em favor do povo. Todas as potencialidades são ocultadas por um discurso de crise que nos apresenta como um país pobre cuja saída única é a manutenção e o aprofundamento do sacrifício popular.



O discurso econômico tornou-se, nos últimos anos, a principal arma política da minoria rica e poderosa contra o povo. Em nome da economia, e de uma falsa saída para a crise, estão tirando nossos direitos, corroendo o orçamento público, entregando instrumentos de soberania nacional e de desenvolvimento econômico.



A solução dos problemas da vida do povo brasileiro não pode ser secundada, não pode ser um desdobramento da solução dos “problemas econômicos”. As questões econômicas não estão separadas das questões sociais e muito menos políticas. O discurso que as separa está interessado em se apropriar da economia para manter e aprofundar os privilégios de uma minoria exploradora, gananciosa e mesquinha que controla nosso país há séculos.



Para isso contratam um sem número de assessores, bacharéis e PHDs que criam um gigantesco arcabouço ideológico, aparentemente técnico, isento e neutro a fim de ocultar as nossas imensas riquezas e a evidente razão política de nossa penúria. Esses “especialistas” transformam a ciência econômica em assunto somente para iniciados, pois a “tecnificação” do discurso é um método eficaz para alienar o povo do debate. Criado o repertório ideológico que conduz o povo à apatia e à não reação, repetem-no diariamente através do monopólio dos meios de comunicação. Para eles, nós somos o problema. Nossa resistência e luta prejudica seus lucros.



Frente a esse discurso, que nos coloca como problema, oferecemo-nos como solução!



Por uma economia a serviço do povo



Solucionar os problemas sociais é o objetivo de qualquer economia democrática. A produção de riqueza não é um fim em si, mas um meio para atingir o bem-estar social e a felicidade. No âmbito de uma nação isso significa orientar a economia de acordo com as necessidades e os interesses das maiorias. A economia deve estar a serviço de seu povo e não o povo a serviço da economia.



Mas isso só ocorrerá na medida em que povo retornar à cena política e voltar a reivindicar o poder. Não existe uma única solução para as equações econômicas atuais. Existem várias! As medidas propostas pelo governo atual se destinam a resolver o problema do andar de cima, dos ricos que tomaram de assalto o poder nacional. Está claro que os problemas econômicos atuais são de natureza política. Falta dinheiro para nós, mas sobra para os grandes monopólios e para as trapaças palacianas. O problema econômico é claramente um problema da política, um problema de poder, portanto. Os problemas econômicos só serão resolvidos em favor das maiorias quando estas controlarem o poder político. Para contribuir nesse processo é que lançamos esse manifesto.



É preciso mostrar a todos e a todas que não cabem mais ilusões. A saída da crise não reside nas fórmulas fracassadas da austeridade fiscal, que apenas leva à recessão e a ampliação ainda maior do desemprego e da pobreza. A saída da crise passa, entre outros, por profundas reformas que beneficiarão o povo brasileiro e para isso será necessário ampliar a luta social. Por uma nova política econômica baseada na ampliação dos gastos em infraestrutura e serviços sociais básicos, buscando o aumento da demanda, do investimento, do emprego e dos salários. O que cabe agora, além de demonstrarmos nossa indignação e revolta, é contribuir decisivamente para que as pessoas tenham consciência de que é possível uma vida melhor e percebam que as mudanças que necessitamos serão fruto de amplas lutas sociais, construindo uma saída para a crise.



O momento exige um programa econômico de cunho nacional e popular, que sirva aos interesses da maioria da sociedade brasileira. Que coloque o Brasil como um vetor de integração econômica, política, social e cultural na América Latina, baseado na solidariedade, no cooperativismo e na sustentabilidade. O Estado, controlado pela sociedade, mais do que assumir um papel de indutor do desenvolvimento sustentado, do bem viver e da justiça social, deve incentivar as diversas iniciativas populares que resistem, a despeito da dominância econômica dos grandes monopólios e conglomerados.



Para isso, é preciso uma ampla aliança dos sindicatos e centrais sindicais, dos servidores públicos, artistas e coletivos de cultura, Universidades, Movimento Negro, Feminista, Indígena, LGBT, estudantil, das periferias, de parlamentares democráticos e de setores empresariais que se associem ao desenvolvimento e justiça social do país.



Precisamos elaborar um projeto de soberania e autonomia que enfrente a condição de dependência e de subdesenvolvimento do Brasil, partindo de um amplo compromisso que fortaleça, entre outros, a saúde e a educação pública, que promova a paz no lugar da guerra do estado contra seu povo, que promova a soberania alimentar, valorize a habitação popular e o transporte público e, de um modo geral, eleve a autoestima e as condições econômicas, sociais, culturais e espirituais do povo brasileiro, desmercantilizando as relações sociais de maneira progressiva.



Cremos que é necessário criar um amplo debate sobre os rumos de nossa economia, dialogando nas periferias, nos bairros, nas igrejas, aprofundando a consciência sobre a economia nacional e forjando no seio do povo um programa econômico viável que aponte saídas imediatas para a crise brasileira. Propomos aos economistas comprometidos com os interesses nacionais e populares a se lançarem nesse processo, a confiar no diálogo e no aprendizado junto ao povo para construirmos em conjunto uma saída para a crise.



Elencamos abaixo algumas propostas no intuito de estimular o debate desde já e não como fórmula pronta e acabada que deverá ser seguida por todos. Nosso único fundamento inegociável é combater a política econômica que explora e empobrece o povo e criar um programa econômico que esteja a favor da maioria da população brasileira. Para isso elencamos 11 objetivos e suas fontes de financiamento para uma nova economia de combate à crise social e de avanço nas reformas estruturais:



Garantir o emprego e recuperação dos salários.

Promover a distribuição da renda e da riqueza, erradicar a miséria e a pobreza.

Educação pública, de qualidade, em todos os níveis, para toda a população.

Saúde pública de qualidade para toda a população.

Democratizar a justiça, pela Paz social

Alimentos saudáveis para toda comunidade.

Moradia e transporte.

Ciência e tecnologia.

Promover a Integração nacional e infra-estrutura.

Fazer a Reforma Agrária e reforma urbana

Soberania nacional e superação da dependência externa.

Trata-se de objetivos factíveis. Para alcançá-los, como pressuposto, devemos revogar a Emenda Constitucional 95 que impos um teto de gastos por 20 anos para despesas primárias, o desmonte dos direitos trabalhistas e impedir a aprovação do desmonte da Previdência. Devemos também barrar as privatizações que abrem mão de ativos públicos estratégicos, bem como devemos impedir a entrega da reserva amazônica.



Devemos contar com os seguintes instrumentos de financiamento e execução.



Reforma Tributária que cobre mais de quem tem mais e menos de quem tem menos.

Cobrança efetiva da Dívida Ativa da União.

Combater a sonegação de impostos.

Redução da taxa básica de juros (SELiC).

Auditoria da dívida e recomposição da capacidade de endividamento público, de modo que ele sirva ao investimento produtivo e não ao parasitismo financeiro.

Venda de parcela das reservas internacionais.

Readequação do saldo da Conta Única do Tesouro.

Declaração de nulidade da dívida dos Estados e Municípios e revisão do pacto federativo.

Fortalecimento dos Bancos Públicos.

Controle democrático sobre o Banco Central.

Avançar no combate à corrupção.

Controle de capitais e do câmbio.

Controle nacional de setores estratégicos: energia, minério, petróleo, comunicação, água e química.





Essa é nossa proposta inicial para uma discussão democrática e republicana. São soluções factíveis para iniciar – aqui e a agora – a saída popular para a crise e plantar as sementes de uma nação socialmente justa e politicamente soberana. O detalhamento dessas propostas serão desenvolvidos no curso do debate e podem ser acessados pelo portal do manifesto (acesse aqui).







Alisson Oliveira de Souza Carvalho, economista e mestrando IE UNICAMP

Arland Costa, economista e mestrando em Sociologia Política – UFSC

Camilla dos Santos Nogueira, economista e doutoranda PPGPS- UFES

Coletivo Política Econômica da Maioria (POEMA)

Daniele Knihs, bacharel em economia, mestre em geografia – UFSC

Diógenes Moura Breda, economista e doutorando IE UNICAMP

Evaldo Gomes, economista e doutorando IE UNICAMP

Fernanda Cardoso, economista e professora da UFABC

Gerson Correa Leite, economista e empresário

Guilherme Lopes, economista e mestrando IE UNICAMP

Guilherme Schwochow Fissmer – economista UFSC

Hugo Rezende Tavares, economista e mestrando em Economia Política PUC/SP

Jônatas Nery, bacharel em economia-Ufes e mestrando em Política Social – Ufes

Karina Fernandes, economista e mestra em Integração da América Latina USP

Marianna Braghini Deus Deus, socióloga pela Escola de Sociologia e Política

Mari Lucia Zonta, analista tributária da Receita Federal do Brasil

Odilon Guedes, economista e Professor da FAEC

Paris Yeros, Professor de Economia da UFABC e editor da revista Internacional Agrarian South

Pietro Caldeirini Aruto, economista e doutorando IE UNICAMP

Rafael Albuquerque Poddixi, bacharel em economia – UFSC

Rayssa Deps Boleli, economista e mestranda IE UNICAMP

Sammer Siman, economista e mestre em Política Social (UFES)

Tais Cangussu, Doutoranda no Programa de Pós Graduação de Serviço Social UFSC

Theotonio dos Santos, economista e Presidente da Rede e Cátedra UNESCO sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável – REGGEN

Venâncio de Oliveira, economista e doutorando em Economia Internacional pela UNAM

Vitor Hugo Tonin, economista e doutorando IE UNICAMP

Zacarias Gama, Professor da Faculdade de Educação, UERJ


Outras Palavras


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